Histórico documentado sobre o mais icônico político mandador na comarca santa-cruzense-do-rio-pardo, o famanaz coronel Antonio Evangelista da Silva, alcunhado Tonico Lista, nome amado e odiado tanto que, ainda no ano de 2022, desperta paixões, causa polêmicas.
Os irmãos Cyrillo e José Antunes da Rocha eram capangas do coronel Tonico Lista; os fraternos Joaquim e Octavio Alves de Lara ou Ludovico, também. Mesmo de frentes diferentes no bando do coronel, os mencionados conviviam numa aparente harmonia, até se atritarem, com envolvimentos de outros familiares de ambos os lados.
O motivo das desavenças seria uma discussão ordinária de conta a pagar e a receber, entre José Bellarmino da Silveira Bispo, conhecido por José Bispo, e José Alves de Lara, vulgo Juca Ludovico, num encontro entre ambos na estrada da fazenda Barra Nova. Em meio às altercações, certamente José Bispo, julgando-se com a razão, teria citado testemunhos, sendo agredido por Juca Ludovico “não occultando [este] a intenção de fazer o mesmo a Julio Antunes da Rocha e filhos”, do que José Bispo comunicou ao amigo e compadre Julio das ameaças do agressor, também “cortar Julio Antunes da Rocha e seus filhos a chicote.”
— Citações extraídas dos autos de processo crime, então em andamento, “em que é autora a justiça e em que são os reus, Antonio Evangelista da Silva e outros”, embasado em depoimentos diversos de envolvidos e testemunhas, em relatório policial, com algumas diferenças nas narrativas, sem comprometer o todo processual que buscava, de qualquer forma, a incriminação do coronel Tonico Lista como mandante de atentados a ambas as famílias, para eliminações entre si, para se livrar de antigos e incômodos companheiros. O expediente, em seu todo, descreve detalhes de entreveros e situações de encontros armados envolvendo os citados, com emboscada a tiros e até morte. No relatório são mencionados, ainda, assassinatos e atentados outros, por ordens de Tonico Lista.
— O todo documental é transcrição oficial, assinada pelo bacharel Julio Ferreira Leite, Oficial de Registro Geral de Hipotecas e Escrivão do Júri da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo, a pedido de pessoa interessada que o fez publicar, na íntegra, pelo jornal ‘O Estado de S. Paulo’, edição de 21/06/1921: 7-8, com partes ilegíveis no exemplar digitalizado.
Os Rocha reagiram e isto motivou ira redobrada dos Ludovico, principalmente do Joaquim, o mais perigoso deles, que vivia em lugar incerto, desde que, a mando do Tonico Lista, assassinara o José Antonio de Moraes Peixe, em 1913.
Então aconteceu. Aos 19 de fevereiro de 1918 Joaquim Ludovico, deixava seu esconderijo para retornar a Santa Cruz, quando tocaiado a tiros por parte de José e Cyrillo Rocha, na estrada de passagem pela Usina, hoje conhecida por Usina Velha, escapando gravemente ferido e refugiado em lugar incerto, na região, sob a vigilância da guarda do coronel Tonico Lista, precisando ser medicado urgentemente, enquanto os irmãos Rocha homiziavam-se na Fazenda Mandaguahy, do mesmo coronel,
— O acontecido ao Joaquim gerou outro episódio. Joaquim, pela gravidade dos ferimentos, necessitava de cuidado médico, porém o clínico Álvaro Camera, de Santa Cruz do Rio Pardo, procurado, recusou seguir até o local onde se encontrava o ferido, e o coronel Lista, ciente da negativa, enfurecido, ordenou invasão à residência do médico, e este, atemorizado, abandonou o município (O Combate, 03/11/1921: 3). Não há informações que outro facultativo tenha cuidado do ferido, tudo a indicar que sim.
Joaquim Ludovico, sobrepondo-se aos ferimentos, passando por Ribeirão Claro – PR, foi conduzido até a Colônia Mineira – atual município paranaense de Siqueira Campos, onde residente sua mulher e filhos.
Os Rocha foram a julgamento e absolvidos pelo tribunal do júri, com apelação da promotoria, aguardando em liberdade até a decisão do ‘Tribunal de Justiça de São Paulo’ que, aos 10 de abril de 1919, os mandou a novo julgamento, expedindo mandado de prisão.
Desconhecendo a decisão do Tribunal, os irmãos Rocha, José e Cyrillo, vieram para Santa Cruz para as eleições de 28 de abril de 1919, certos de que não podiam ser presos conforme lei eleitoral, exceto flagrante delito ou mandado judicial. O advogado Americo França Paranhos avisou-os que se retirassem, para se apresentarem apenas às vésperas do júri, pois contra eles havia ordem de prisão.
José Rocha atendeu o conselho e, no retorno para onde acoitado, sofreu emboscada a tiro e ferido de morte, buscando socorro na residência de certo Antonio Paulista, revelando o suspeito autor do disparo, Joaquim Ludovico, antes de lhe ocorrer o óbito. Cyrillo saiu-se ileso, por adiamento da viagem.
As investigações se arrastaram por quase dois anos, até a chegada do novo delegado, Coriolano de Araujo Góes, que das suspeitas tornou a verdade que:
<<Lista, por carta anexada ao processo, chamara o Joaquim Ludovico de volta a Santa Cruz, sem o declarado motivo, que ficou a cargo para o Alfredo Antonio Gonçalves, o ‘Nenê Narciso’ [cunhado de Tonico Lista – irmão da mulher, e casado com uma irmã de Joaquim Alves de Lara ou Ludovico] esclarecer, pessoalmente. Três dias depois de longa viagem a cavalo, o convocado foi recebido por Lista, recebendo um boné para disfarce, armas de fogo, sendo uma delas espingarda, e munição para matar os irmãos Rocha, os quais Tonico se encarregaria de fazê-los passar por determinado local onde ocorreria a ação.
Combinação ajustada, Tonico Lista enviou seu empregado José Adorno da Silva, conhecido por ‘Zé Adão’, à procura de José Rocha, que este e o irmão Cyrillo viessem ao encontro com o chefe, ainda à véspera da eleição para deputado, sem o perigo de prisão, por disposição legal eleitoral que nenhum eleitor poderia ser preso, exceto em flagrante ou mandado judicial. Nada dito sobre o encontro, se ocorrido ou não.
Encerrado o pleito e já transmitida possível ordem, o coronel teria sugerido aos irmãos Cyrillo e José que voltassem para a fazenda Mandaguahy, ou para a chácara de Zé Adão, que os acompanharia na jornada.
Isto evitaria que, finda a lei eleitoral, não fossem presos em razão da tentativa de homicídio contra Joaquim Lara ou Ludovico, ocorrido em fevereiro de 1918, e assim frustrar o plano ou ordens dadas a eles.
Cyrillo resolveu permanecer na vila, dissera ao amigo Godofredo Negrão, enquanto José, aceitando a recomendação partiu, e pouco depois chegava a notícia de sua morte.
Para o promotor e o delegado era certo que Lista, em 1918, incitara José e Cyrillo a matarem Joaquim Alves de Lara ou Ludovico, e depois, em 1919, resolveu que os irmãos Ludovico – Joaquim e Octavio, matassem Cyrillo e José Antunes da Rocha, livrando-se o primeiro da tocaia.>>
Coriolano, com a certeza ser o Lista o mandante, reabriu o caso, para juntar e acrescer ‘provas robustas’, para que a promotoria pudesse denunciar o coronel:
—”(…) incurso na sancção do artigo 294 paragrapho 1º do Codigo Penal, combinado com o artigo 18 paragrapho 2º do mesmo Codigo; Joaquim Alves de Lara, a sancção do artigo 294 paragrapho 1º combinado com o artigo 18 paragrapho 4º; e finalmente, Octavio Alves de Lara na do artigo 294 paragrapho 1º combinado com o artigo 21 paragrapho 1º-.” (O Combate, 05/08/1921: 1 – transcrição).
Os autos processuais, revelam, certo ou errado, a trama para incriminar Lista:
—”A justiça criminal de Santa Cruz do Rio Pardo continua, impavida, a cumprir o seu dever, no proposito de dar o merecido castigo aos crimes praticados a mando de Antonio Evangelista da Silva, mais conhecido por Tonico Lista. Não há muito foi este pronunciado pelo juiz de direito dr. Arthur Mihich, como mandante da aggressão soffrida pelo dr. Francisco Giraldes, conforme noticiamos detalhadamente. Agora é o promotor publico da comarca que offerece denuncia contra o mesmo mandão, por ser acusado, de accordo com o inquerito policial, como mandante da tocaia a que succumbiu José Antunes da Rocha (…).” (O Combate, 05/08/1921: 1).
Para o promotor e o delegado era certo que Lista, em 1918, incitara José e Cyrillo a matarem Joaquim Ludovico, e depois, em 1919, resolveu que os irmãos Ludovico – Joaquim e Octavio, matassem Cyrillo e José Antunes da Rocha, livrando-se o primeiro da tocaia.
Octavio, embora portasse revólver, não fizera uso dele, pelo tiro certeiro do irmão, solicitando sua impronúncia, todavia rejeitada, por estar junto ao assassino, pronto para ações, caso necessário, além que a emboscada estava igualmente preparada para Cyrillo, que não passou pelo local.
Os autos subiram ao juiz Arthur Mihich:
— “(…). Em consequencia das ponderações que ahí ficam expendidas e em face do auto de corpo de delicto de fls. 9, auto cadavérico de fls. 28; confissão dos mandatários de fls, e fls,, depoimentos de testemunhas do summario e documentos constantes do ventre dos autos, julgo procedente a denuncia de fls. contra os reus Antonio Evangelista da Silva, Octavio Alves de Lara e Joaquim Alves de Lara, para pronuncia-los como os pronuncio como incursos no artigo 294 paragrapho 1º do Cod. Penal, sendo Antonio Evangelista da Silva como autor intellectual do delicto (art. 18, paragrapho 2º), Octavio Alves de Lara e Joaquim Alves de Lara como autores physicos do delicto (art. 18, paragrapho 3º e paragrapho 4º), respectivamente. Remettam-se os autos ao cartório de jury, cujo escrivão passará os mandados de prisão contra os reus e lançará seus nomes no ról dos culpados; pagas as custas afinal. Santa Cruz, 6 de Outubro de 1921. – Arthur Mihich -“.
— Extraído de documento de transcrição, de 12 de outubro de 1921, a pedido, certificado pelo então escrivão do júri, Julio Ferreira Leite (O Estado de São Paulo, 03/11/1921: 6).
Quanto à pronúncia, o juiz Arthur Mihich fundamentou:
— “Para a pronuncia bastam indícios veementes, ou equivalentemente muitos indicios remotos que constituam um motivo ordinario de suspeita (João Mendes, O Proc. Crim. Braz. v.2, pag. 201); e isto porque, como observa Paulo Pessoa, assim como a impronuncia não importa decisão acerca do facto criminoso imputado ao reu e da qual resulta ficar elle innocentado, assim como tambem a mera pronuncia não importa a declaração de ser elle o verdadeiro criminoso; uma ou outra coisa só o faz a sentença final, em processo convenientemente discutido, e onde as provas da innocencia e da criminalidade sejam devidamente pesadas (Cod. do Proc. Crim. [Código do Processo Criminal – Paulo Pessoa] nota 1045).” (O Estado de São Paulo, 03/11/1921: 6).
Lista seria preso numa operação combinada entre as autoridades santa-cruzenses.
Uma carta de Cyrillo Antunes da Rocha, datada de 02 de abril de 1922, revela o seu relacionamento com o coronel Lista, a respeito dos acontecimentos que vitimara seu irmão José Antunes da Rocha:
— “(…) não acredito, como jamais acreditei, que aquelle coronel fosse o mandante do assassinio covarde, infame e traiçoeiro do meu inditoso irmão José Rocha, tão cedo roubado ao carinho de sua esposa e filhos pela mão mercenária de um vulgar assassino.” (O Estado de São Paulo, 21/04/1922: 9, original ‘Cidade de Santa Cruz’).
A rixa entre os Rocha e Lara – ou Ludovico prosseguiria ainda. Em outubro de 1922, Cyrillo feriu gravemente a Armando Lara, nas eleições em Santa Cruz do Rio Pardo (A Gazeta, 19/12/1922: 1).
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