Histórico documentado sobre o mais icônico político mandador na comarca santa-cruzense-do-rio-pardo, o famanaz coronel Antonio Evangelista da Silva, alcunhado Tonico Lista, nome amado e odiado tanto que, ainda no ano de 2022, cem anos após sua morte, desperta paixões e causa polêmicas.
Francisco Alves, da Força Pública de São Paulo, lotado na capital e a serviço em Santa Cruz, confessou ter matado Antonio Evangelista da Silva, o coronel Tonico Lista, e levado a júri popular na comarca.
O Diário Popular, de 02 de dezembro de 1922, noticiou: “Realizou-se na semana passada em Santa Cruz do Rio Pardo, o julgamento segundo o jury, do cabo Francisco Alves (…).” (O Estado de S. Paulo, 14/12/1922: 10), informação assinado por F. de Assis).
— F. Assis descreveu toda a sessão de julgamento, da qual nos servimos para a elaboração deste capítulo.
O 4º Tribunal do Júri, exercício de 1922, teve início depreendido aos 20 de novembro, sendo o julgamento a partir das 19,00 horas e encerrado às 6,00 horas na manhã seguinte.
— O Tribunal do Júri, em Santa Cruz do Rio Pardo, reunia-se quatro vezes ao ano, nos meses de fevereiro, maio, agosto e novembro, e os trabalhos duravam, quase sempre, a semana toda ou até findar os agendamentos – de acordo com ordenamentos em Atos do Poder Executivo do Estado de São Paulo.
Para a sessão do julgamento de Francisco Alves, presentes o juiz presidente, dr. Arthur Mihich; o promotor público, dr. Jairo de Góes; o advogado dr. Wanderico Pereira – assistente de acusação; o causídico dr. Eurico Sodré, defensor do réu; o auxiliar da defesa, dr. Francisco Giraldes Filho; e, ainda, os serventuários e os policiais para segurança, além do réu Francisco Alves.
Por sorteio, foram escolhidos os conhecidos jurados:
José Epiphanio de Souza – membro do Partido Municipalista;
Francisco Pereira Leite de Mello – declaradamente inimigo de Lista e adversário político;
Moyses Nelli – membro do diretório oposicionista, inimigo de Tonico Lista desde os tempos do coronel João Baptista Botelho;
—Nelli, como juiz substituto do dr. Augusto José da Costa, nos tempos do mando santa-cruzense por Antonio José da Costa Junior e Francisco de Abreu Sodré, a mando, fez prender o coronel Lista e o dr. Olympio Rodrigues Pimentel, então líderes oposicionistas.
Roland David – inimigo e oposicionista político;
Arthur Galvão – inimigo pessoal e político;
Adelino Souto – alterego de Henrique da Cunha Bueno, o mais rancoroso inimigo de Lista, por este posto a correr de Santa Cruz do Rio Pardo;
Petronilho Cunha, inimigo e adversário político.
Francisco Alves, conforme rol de jurados, foi julgado por inimigos declarados e adversários políticos do falecido coronel Tonico Lista, inclusive dois membros do diretório municipalista.
— Tanto os escolhidos jurados quanto os outros nomes disponíveis no rol para oi sorteio, a situação seria igual em favor do réu.
O advogado Wanderico Pereira, representando a viúva na acusação particular, desistiu em acusar o réu pois não haveria justiça, segundo ele, diante de um corpo de jurados incapaz em promover julgamento isento. Pela mesma opinião, o Ministério Público.
Até os advogados da defesa, esquecendo-se do réu, partiram para o ataque à falecida vítima, sem protesto algum, enumerando os bárbaros crimes acontecidos na comarca santa-cruzense e região, por sua ordem, empolgando a assistência e jurados nas dramatizações.
O advogado da defesa, Eurico Sodré, apontou como causa do crime ‘delírio magnicida provocado por acesso agudo de embriagues’, consequência de ingestão de dois lavrados [copo cheio] de cachaça, enquanto Lista estava no local.
—Magnicida: assassino de grande capitalista; magnicídio: ato de a pessoa matar um magnata.
Tese vitoriosa, selada com efusivos aplausos da plateia, e rateio em dinheiro dentre os presentes para o réu.
O ‘Diario Popular’, edição de 02/12/1922, publicou matéria insinuando o absurdo, conforme parte transcrita pelo por F. de Assis no jornal ‘O Estado de São Paulo’:
— “O reu foi absolvido por unanimidade de votos, sendo de notar que o conselho de sentença era composto dos homens mais respeitáveis da comarca.
Posto em liberdade, ás 6,30 da manham, promoveu-se, em seu favor, uma subscripção publica e alli, naquella hora matinal, numa pequena cidade do interior, angariou-se, sem difficuldade, a elevada quantia de 12 contos de réis.” (O Estado de S. Paulo, op.cit, 14/12/1922: 10).
O matutino ‘O Estado de São Paulo’ anteriormente, em matéria própria, chacoteara sobre os acontecimentos no tribunal do júri santa-cruzense:
— “Em uma certa comarca do interior, noticiaram os jornaes, ao terminar a sessão do jury, onde foi absolvido um homicida, cotisaram-se as pessoas presentes e, levantando immediatamente a somma de doze contos de réis, com ella brindaram o assassino … Cremos que, na historia processual de S. Paulo, é um caso virgem. Nunca se viu um movimento collectivo de aplausos a quem teve a desgraça de supprimir uma vida humana.” (O Estado de São Paulo, 10/12/1922: 5).
Declarado amigo da vítima F. de Assis lamentou a absolvição do assassino Francisco Alves, por unanimidade, tendo embolsado, após o veredicto, doze contos de réis dentre os que estavam na plateia, à vista de todos, inclusive do judiciário, da promotoria e da polícia: “Disse o dr. [Eurico] Sodré que esse dinheiro foi o producto de uma subscripção publica, ás 6 ½ da manham.”
F. de Assis, indignado, relatou:
— “É crivel que ás 6 ½ da manham uma subscripção publica para pagar um assassinio renda 12 contos de réis numa pequena cidade do interior? E mesmo que esse dinheiro não sahisse da burra do Henrique da Cunha Bueno ou de Arlindo Piedade, que fosse elle o producto de uma subscripção publica, esse facto revelava a morte moral desse povo barbaro e selvagem que paga a sicarios e assassinos, que eleva ás alturas da gloria matadores vulgares e abjectos.
(…).
Não houve subscripção publica, que não seria possivel num logarejo, de madrugada, nem poderia render a somma vultuosa de doze contos de réis, em alguns minutos. Houve, sim, o pagamento do assassinio, anteriormente combinado e apreçado, como era do dominio publico em Santa Cruz do Rio Pardo.” (F. de Assis, in ‘O Estado de S. Paulo’, 14/12/1922: 10).
— Doze contos de réis não era pouco dinheiro. Comprava-se um bom sítio com benfeitorias.
Livre, o Alves deixou a comarca com bom dinheiro ‘pelo serviço prestado’. Na apelação de praxe do juizo de direito local, o Tribunal deu provimento a novo julgamento, por votação unânime (DOSP, 24/04/1923: 3061), mas o intento não prosperou, por desinteresse, nem há qualquer notícia a respeito.
Do Alves se ouviu dizer morto num dos combates na Revolução de 1930 (A Folha, semanário santa-cruzense, 27/09/1980: 1, por José Ricardo Rios).
Outras situações foram observadas por Assis, que nenhum amigo, parente ou correligionário perrepista, fizera qualquer declaração ou nota sobre o acontecimento que vitimou Tonico Lista.
— “Entretanto, todos silenciaram, o cel. Osorio Bueno, num assomo de coragem incomprehendida, acceitou um accordo politico com um dos mais encarniçadou [encarniçados] e perigosos adversarios do chefe assassinado. E assim, em Santa Cruz do Rio Pardo reina aquella celebre Pax de Varsovia, alicerçada no sangue e no luto.” (O Estado de S. Paulo, 14/12/1922: 10).
Até o hebdomadário ‘A Cidade’, apologético ao coronel, seu sócio oculto e a ele fortemente vinculado, deixou de circular em 15 de julho de 1922: “Por um desarranjo no nosso prélo, deixou de circular domingo passado o nosso jornal, fazendo-o entretanto hoje sem prejuízo dos nossos caros leitores, que receberão novamente no proximo domingo.” (A Cidade, 26/07/1922: 2).
Coincidência ou conveniência, mas a edição de 26 de julho, o ‘A Cidade’, também nada trouxe sobre o crime, apenas algumas moções de solidariedades.
Ainda, o mesmo semanário ‘A Cidade’, tão crítico e mordaz aos adversários de Tonico Lista, inclusive ao advogado dr. Pedro Soares de Sampaio Dória, a este não poupou elogios dois anos após o ocorrido, revelando o acordo entre situação e oposição:
— “Assim acceitando a vereança foi-lhe confiada a presidencia da edilidade, cargo que ainda exerce. Em 1922 entrou para o Directorio político, quando este se organizou por occasião do accôrdo entre os dois grupos então divergentes, cabendo-lhe a esse tempo a secretaria do Directorio.
A energia de seu caracter, a reconhecida competência com que póde enfrentar os altos problemas administrativos, a rigidez de sua conduta a toda prova (…).” (A Cidade, 07/07/1924: 1).
Balelas. As eleições de 1922 para uma nova câmara, a ser empossada em 15 de janeiro de 1923, evidenciaria a continuidade da frágil da política santa-cruzense, após a morte de Tonico Lista.
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