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A fuga dos irmãos Fortunato da prisão em 1881

Um pouco de história não faz mal, enriquece-nos. 

Bem lá no início, documento eclesiástico de 1857 comprova Santa Cruz do Rio Pardo um bairro rural, ou seja, moradias levantadas em datas parceladas no entorno da sede da Fazenda Santa Cruz, do Manoel Francisco Soares, na confluência do Ribeirão São Domingos com o Rio Pardo. Mais acima um lacrimal que verte para o ribeirão e dele as famílias coletavam o precioso e necessário líquido para o uso variado de todos; canalizado o veio d’água, em melhor lugar para todos, levantou-se o Chafariz com uma bica.

Na ausência de capela, um cruzeiro erguido no terreiro de Manoel Francisco Soares, onde todos se reuniam para as orações do alvorecer e anoitecer – em ocasiões chuvosas ou de mau-tempo não né! – lugar que viria ser a Praça Santa Cruz – desativada em 1926, no encontro das atuais ruas Barão do Rio Branco com a General Ozório, esclarecendo que na época eram ruelas, sendo que a General Ozório chegava até o Rio Pardo e a Rio Branco iniciada na beira do Ribeirão São Domingos findava no Pardo.

Pela Rua General Ozório, sempre perpendicular, a entrada e saída da povoação em direção ao cemitério, onde agora o Fórum e a antiga Delegacia de Polícia, além de levar para algumas fazendas no Turvo/Alambari além da povoação Espírito Santo do Turvo e adiante, grosso modo, passando pela Avenida Batista Botelho e seguir por um caminho, entre as atuais ruas Euclides da Cunha e Antonio Mardegan, rumo à Avenida Coronel Clementino Gonçalves. A igreja matriz, entre o núcleo residencial e o caneiro, seria levantada em 1862, em madeira, mais ou menos onde a atual Matriz. 

— Outra saída/chegada para Santa Cruz era pela Fazenda Salto da Boa Vista ou Ribeirão Grande, antigamente mais bem conhecida como Fazenda do Padre [Figueira], com uma ponte sobre o Pardo aproximadamente onde a conhecida Usina Velha.

Quando o bairro Santa Cruz foi elevado à condição de Capela, em 1862, pelo poder eclesial, a ratificação civil lhe foi dada apenas aos 31 de dezembro de 1867, como Distrito Policial, ainda que, outra vez tardiamente, somente em 1872 as primeiras autoridades policiais. Nem precisava pressa, Santa Cruz não tinha cadeia pública, então, nos anos de 1860/1870, os poucos presos na região eram enviados para os cárceres de São Domingos, Lençóis Paulista ou, conforme periculosidade, Botucatu. 

Em Santa Cruz os detidos aguardavam transportes-prisão, para uma daquelas localidades, amarrados junto a um tronco, que as tradições lembram a atual ‘Praça Major Antonio Alóe’; no tronco também eram castigados os escravizados, aliás, para isso fora levantado. A condução-prisão era um carroção gradeado e puxado por bois, com históricos de alguns presos conduzidos a pé, amarrados, enquanto os condutores, armados, iam a cavalo ou, também, a pé, às vezes, até São Paulo.  

O governo paulista reconhecia a precariedade da segurança pública no interior e as péssimas condições das cadeias, enquanto o deputado coronel Emygdio José da Piedade na tribuna a Assembleia Provincial, em 1881, revelava mesma realidade santa-cruzense:

— “Desde 1875 serve de cadeia uma pequena casa, feita de pau-a-pique, alugada à razão de dez mil reis por mez, e desde essa data faz a provincia a despeza de 120$ por anno, com uma casa que não sê presta ao fim a que é destinada, casa que até hoje não tem recebido o menor concerto. (…). Chega a tal ponto [a ruína do imóvel] que ter alli uma pessoa recolhida é o mesmo que deixa-la no meio da rua, e é justamente por isso que durante o anno passado [1881] houve seis ou sete evasões. (…). Em Outubro deu-se a evasão do ultimo preso que ainda se conservava na cadeia, um criminoso de morte, não obstante estar acorrentado, forneceram-lhe uma lima e o preso tratando de cortar a corrente, metteu-se pelo meio dos barrotes, que estão estragados e evadiu-se” (Apud Correio Paulistano, 08/03/1882: 2).

O citado imóvel era de propriedade do fazendeiro, oleiro e dono de imóveis para alugueres, Valentim José Theodoro, que em 1879 recebeu os atrasados da Província de São Paulo retroagindo efeitos a 1876, atestados por documentos.

Hábil nas palavras e ideias o deputado Emygdio da Piedade justificava evasões de presos da tosca cadeia, sendo a mais emblemática e bem documentada delas a dos irmãos Pedro e Joaquim Fortunato, na madrugada de 03 para 04 de setembro de 1881, sendo acusados de facilitação os filhos e genro do próprio deputado, a seu mando, além da conivência do soldado José Sebastião Domingues, nos tempos do subserviente delegado Manoel Cândido da Silva, que apenas procedeu atos de rotina, sem inquérito policial, sindicâncias ou processo administrativo.  

História antiga essa do envolvimento dos Fortunato com o coronel Piedade. No início de 1870 os irmãos Fortunato foram acusados e pronunciados cúmplices numa matança de índios, na localidade de Faxina, onde os Piedade tinham interesses, inclusive, no livramento de suas terras dos perigos indígenas; o coronel teria sido o mandante.

Evitando prisão flagrante, os Fortunato homiziaram-se em Santa Cruz do Rio Pardo, numa das fazendas do dito coronel Piedade, todavia presos em 1873, levados a Botucatu e depois à comarca do crime, para julgamento, declarados inocentes e postos em liberdade, ditam as memórias, por influência do coronel deputado. 

Incorrigíveis, os mesmos Fortunato envolveram-se noutro crime, na localidade de São Pedro do Turvo, ocorrendo-lhes a prisão, agora na cadeia de Santa Cruz, de onde lograram a dita fuga por encomenda e facilitação. 

Depois do pacato delegado Manoel Candido, sem nenhum interesse em conduzir o processo, assumiu o Nicolao Tolentino Roïz [Rodrigues] Barreiros, político liberal contrário ao coronel Piedade, que então abriu inquérito numa acurada investigação, todavia ‘descobriram’ sua condenação em Tatuí – não era boa cepa e foi demitido do cargo, por denúncia e alcance político de Emygdio José da Piedade; depois veio o delegado Francisco Antonio de Castro, que chegou a colher provas, porém aconselhado não se aprofundar no caso, viu-se envolvido em fraude política e deixou de ser delegado em Santa Cruz, para, então acontecer a desgraça para os Piedade: “Foi nomeado o cidadão Jacob Antonio Molitor para o logar vago de delegado de policia da villa de Santa Cruz do Rio Pardo”.

— Molitor e Piedade foram companheiros políticos, praticamente sócios no primeiro cartório de tabelionato em Santa Cruz, juntos praticaram grilos de terras no Vale do Peixe, mas, inimizaram-se, acusado o Piedade em não promover politicamente o Molitor, que, então, viria à forra.

De imediato à posse Molitor investiu contra a família Piedade. A autoridade ou posição social do deputado não meteu medos ao delegado que, então, agilizou os inquéritos policiais, fez diligências, ouviu testemunhas e revelou aos jornais da capital os envolvimentos de Emygdio em negociatas partidárias, roubo de gado e outros pecadilhos, mas não os grilos de terras – afinal era cúmplice – das fazendas Pomba do Futuro. do próprio coronel, e a Pomba de Prata em nome do seu filho Augusto César [Cezar] da Piedade.  

O deputado coronel acusou o golpe, e, da tribuna da assembleia, procurava desqualificar o algoz e pedia providências do governo provincial para sua exoneração, além de incumbir o filho Augusto para revidar, acusar e desacreditar o delegado Jacob Molitor, em publicações na imprensa paulista e denúncias à chefatura de polícia, sem resultados.  

Molitor chegou a dar voz de prisão a dois filhos do coronel Emygdio, defronte à residência deste durante festejos, em Santa Cruz, acusados da facilitação para a fuga dos presos irmãos Fortunato, ato retirado e transformado em intimação policial, a pedido de cidadãos e políticos presentes. Na ocasião Molitor teria destratado publicamente o deputado que, apesar de influente e em revide, não conseguiu a exoneração do desafeto e nem sensibilizou a promotoria pública.  

— O governo provincial em mãos dos liberais, procedia conforme a vontade regional do deputado Tito Correa de Mello, opositor ao Piedade, e Molitor permanecia intocável.  

Apenas em 1885, quando os conservadores assumiram o governo provincial paulista, Molitor foi exonerado do cargo, com certo alívio para a família Piedade. 

O processo arrastou-se um pouco mais até o lenitivo maior para os Piedade, quando extinguidos os processos crimes e encerrado o administrativo que culpava o soldado José Sebastião Domingues, conivente com a fuga dos presos, por bom acerto em dinheiro, sem qualquer menção aos responsáveis pela guarda noturna da cadeia, Antonio Meirelles da Silva e Antonio Nogueira, nem aos Piedade recaiu coisa alguma, afinal o evadido preso Joaquim Fortunato, que mudaria o nome para Joaquim Messias Dutra, também revelara, em publicação num jornal paulistano, sobre a fuga da cadeia por ele e seu fraterno:  

— “Della evadimos, é certo, mas o fizemos levados pelos conselhos e auxillios de Carlos Alves de Campos, que proporcionou-nos os meios para isso precisos.” 

Quem foi o Carlos Alves de Campos?

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