Por qual razão a tradição coloca Santa Cruz do Rio Pardo fundada aos 20 de janeiro de 1870?
As mais antigas memórias informam que naquele ano de 1870, não se sabe o dia, o fazendeiro Joaquim Manoel de Andrade instalava-se, com toda sua família, em Santa Cruz do Rio Pardo; também 1870 foi o ano que o coronel Emygdio José da Piedade, deputado provincial recém eleito, abeirara-se do lugar para nela afazendar-se e fazer morada, com grande número de parentes.
Correto que Joaquim Manoel de Andrade juntamente com o deputado Emygdio José da Piedade muito se empenharam transformar Santa Cruz do Rio Pardo em próspera freguesia, confirmada aos 20 de abril de 1872 pela Lei Provincial nº 71, e, disto, se escreveu:
—”Os ranchos desde então foram esquecidos e, podemos affirmar, Santa Cruz do Rio Pardo nasceu em 1872, sendo desde então rapido o seu progresso e admiravel os melhoramentos que tem recebido (Crônica, Almanach para a Província de São Paulo, 1887: 542-549)”.
Nestes considerandos, 2022 seria o sesquicentenário, Santa-cruzense-do-rio-pardo, numa data sem qualquer vinculação com o orago São Sebastião. No entanto, outra informação, pela mesma publicação Almanach – uma crônica, diga-se de passagem, informava que na capela, existente desde antes, fora introduzida:
—”[A] imagem de S. Sebastião, soberba imagem doada pelo mesmo fundador, ahi Manoel Francisco [Soares], sua numerosa familia, e todos os já então habitantes deste sertão e dos terrenos do patrimonio, se reuniam, e, em fervorosas orações, acompanhavam o virtuoso em sua supplica ao Creador e Redemptor da humanidade (Crônica, Almanach para a Província de São Paulo, 1887: 542-549)”.
Opa, aí uma ligação com São Sebastião, ainda que anterior a 1872 ou mesmo 1870, a mostrar Santa Cruz existente em 1867, reconhecida com a criação de Subdelegacia de Polícia (Ato da Secretaria da Polícia do Governo da Província de São Paulo, nº 5.504, de 31 de dezembro de 1867), ainda que provida apenas em 1869, inserida no Quadro de Divisão Policial da Província de São Paulo (Relatório de Governo, AN 1868/1869: Mapa S/N – Comarca de Botucatu).
A inauguração “até poderia ser” 20 de janeiro de 1870, com o atraso da notícia e o pessoal chegado numa inauguração, contudo, ainda não localizados documentos desse ato e nem das primeiras autoridades policiais.
No ano de 1862, o padre João Domingos Figueira, fazendeiro em Santa Cruz e não exercente do cargo religioso, escreveu carta ao Bispado de São Paulo, atestando Santa Cruz do Rio Pardo em condições de Capela:
—”Os habitantes de Santa Cruz do Rio-Pardo filial de Sam Domingos termo de Botucatu, encarregando-me como seu procurador. Dois anos habitei entre elles, neste tempo erigio-se huma capella mór com presbiteryo, altar sacraico, throno retabulo, forrada, assoalhada, com corredores dos lados o mesmo e sachristia.(…). Senhor esta capella não foi benta e para esse fim requeiro a V. Ex. faculdade para mim ou outro sacerdote de confiança sua.”
O padre não informou data e nem conseguiu intento de consagrar a capela que ele fizera construir, e, numa outra carta ao bispado paulista, datada de 13 de novembro de 1864, escrita em Caconde, onde paroquiava, reafirmaria Santa Cruz do Rio Pardo povoação existente em 1862, como povoação de dezoito ou vinte moradias, descrevendo o lugar onde queria exercer atividades religiosas:
—”(…) e em Sta. Cruz existe uma nova povoação cujo povo bem dedicado ao servisso de Deos e da Igreja com minha estada de dois annos fosse uma Capella môr, forrada, assoalhada, com Prezbiterio, altar, trono, sacrario, e retabulo. O patrimonio doado é de 100 alqueires já conta com 18 a 20 fogões no arraial. A afluencia do povo é imensa. (…).”
O ano de 1862 marcaria outros significativos acontecimentos na incipiente Santa Cruz do Rio Pardo, como sua primeira identificação civil conhecida, fora as cartas de Figueira, num ofício expedido aos 23 de novembro daquele ano pela Câmara Municipal de Botucatu à Presidência da Província de São Paulo:
—”Ha neste Municipio [Botucatu] sette Igreijas, a Matriz desta Villa, a de Lençois, a de São Domingos, [a] da Piedade do Rio do Peixe, a de Santa Crus do Rio Pardo, [a] da Santa dos Remedios no Tiete, e a do Rio Novo, as treis primeiras pouco tem sido auxiliada pelo Governo, e as ultimas mais pequenas porem decentes e feitas a custa dos fieis, pelo que V.Exa. colligera que neste Município o povo he religiozo o que sertamente satisfara ao Governo de V.Exa. para assim ajudal-los.” (Arquivo do Estado de São Paulo – AESP, Documentos: Ofícios Diversos para Botucatu).
Dois dias após o comunicado camarário botucatuense, aos 25 de novembro de 1862, o padre Andrea Barra, vigário de São João de São Domingos formalizaria a nova Capela celebrando ofícios religiosos, inclusos batizados, sendo primeiro o da infante “Maria de idade de tres mes filha legitima de Miziel [e] Rozalia, Escravo do Padre João Domingos Figueira, forão padrinhos Jose Peres das Chagas e Maria Inosencia da Conceição (…).” (Eclesial, 1859/1879).
Santa Cruz do Rio Pardo, portanto, desde 1862 era povoação reconhecida pelos poderes constituídos no Império, e, a considerar tais documentos de 1862, o lugar teria, documentalmente, 160 anos de existência – “só que não”.
Santa Cruz já em 1858 estava classificada como Quarteirão Eleitoral da Freguesia de São João de São Domingos, no município de Botucatu, e, mais ou menos um ano para trás, aos 25 de fevereiro de 1857, na igreja matriz de São João de São Domingos, o batizado do primeiro cristão nascido santa-cruzense:
—”André, filho legitimo de Antonio Rodrigues de Moraes e Ana Apparecida da Conceição, da freguezia de Campestre, da Provincia de Minas Gerais, que residem no bairro de Santa Cruz [do Rio Pardo]. Forão padrinhos Jose Manoel de Andrade e Dona Maria da Conceição.” (Santa Cruz do Rio Pardo, Batismos, 1856/1884: 6).
Ufa! então 1857 o ano da fundação ou reconhecimento de Santa Cruz do Rio Pardo? Não.
No ano de 1855 já existia o bairro rural Santa Cruz do Rio Pardo como sede da Fazenda Santa Cruz, de propriedade do bugreiro Manoel Francisco, advinda da divisão de sua posse maior, entre o Turvo e o Pardo, em quatro grandes fazendas: a Jacutinga, a Criciumal, a São Domingos e a Santa Cruz, sendo correto que da fazenda Santa Cruz extraídos cem alqueires de terras doadas ao patrimônio da Santa Cruz, para a ereção de uma freguesia sob o nome Santa Cruz do Rio Pardo, a lembrar que 03 de maio era o dia da “In Inventione Sanctae Crucis”, data que a Igreja transferiria para 14 de setembro, pós 1965.
E daí?
Bem, se firmado o aniversário de Santa Cruz do Rio Pardo a partir do seu reconhecimento como Freguesia, então a data correta seria aos 20 de abril de 1872, pela Lei Provincial nº 71, conforme entendera o prefeito Aniceto Gonçalves (1977/1982), todavia, por pressões políticas, eclesiais e interesses outros, o mandatário seguinte, prefeito Onofre Rosa de Oliveira (1983/1988), resgatou a tradição como data da fundação de Santa Cruz do Rio Pardo o dia 20 de janeiro de 1870.
Junko e eu temos – tínhamos que palpitar – que a data de aniversário de qualquer localidade urbana deve ser a partir de sua emancipação política, daí 24 de fevereiro de 1876 pela Lei Provincial nº 06: A Freguezia de Santa Cruz do Rio Pardo, do município de Lençóes, fica elevada à Villa (…).” Mas, vivas à tradição, e parabéns a Santa Cruz do Rio Pardo, neste 20 de janeiro, pelos seus 152 anos de existência.
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