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Chico Gago: revolucionário, místico ou bandido?

Com a morte de ‘Frei Manoel’, em dez de junho de 1892, de imediato o afazendado santacruzense Francisco Garcia, apelidado ‘Chico Gago’, assumiu o comando do grupo identificando-o como ‘Contingente de Reação’.

Diferente do antecessor que pretendia a restauração monárquica no Brasil, Chico Gago fundamentou-se no ‘sebastianismo’, ou seja, a volta do rei português D. Sebastião, desaparecido em 1578 na batalha de Alcácer-Quibir, na África, quando no comando das tropas portuguesas. Seria, então, um encantado que voltaria como enviado divino, ou ressurreto dentre os mortos, messias restaurador da ordem social, paz e justiça, um reino divino terreno no Brasil.

Desde o segundo semestre de 1892 ‘Chico Gago’ já causava furor no sertão de Santa Cruz do Rio Pardo e adiante, muito mais que seu predecessor, com discursos inflamantes e atraindo multidões.

Chico não tardou declarar-se o próprio D. Sebastião em terra, personificado, para estabelecer a sede da seita em sua propriedade no Turvo, no lugar denominado ‘Água do Beato’ abrangendo as cabeceiras e curso do ‘Córrego das Pontesinhas’, cujas terras fez distribuir entre as famílias de seus principais seguidores, que se avizinhavam por trilheiras e tantas pequenas pontes por sobre cursos d’água, para algum ajuntamento rápido de socorros mútuos, como para dispersões emergenciais em casos de necessidades.

Segundo memórias, tais pequenas porções de terras tinham sido, originariamente, posse única assumida nos anos de 1850, e, somente depois, na década de 1890, repassada ao chefe beato, Chico Gago, para a sede do ‘Contingente de Reação’, e a parte sobrante dividida entre as famílias de místicos que se avizinhavam por trilheiras e pequenas pontes, daí as referências ‘Beato e Pontesinhas’.

Não seria gago e sim com certo grau de disfluência na comunicação verbal, talvez taquilálico, cujo sintoma aparentemente desaparecia em seus discursos ou pregações. Dizia o vulgo, em casos assim, que o pensamento era mais rápido que a capacidade de falar articuladamente.

Sem biografia apresentada, até o momento, Francisco Garcia surgiu nas páginas policiais da imprensa brasileira de 1893, como chefe de bando e líder místico, organizador do partido político/religioso ‘Contingente de Reacção’.

O bando tornou-se preocupação de governo.

Segundo ‘O Estado de São Paulo’ (27/12/1893: 1-2), trinta e seis praças do 164º Batalhão de Infantaria da Guarda Nacional, sob o comando do tenente Sergio Gouvêa, partiram de São Paulo com destino a Santa Cruz do Rio Pardo, aos 23 de novembro, para a prisão de diversos criminosos na localidade, incluso o cabecilha Garcia.

O Correio Paulistano (29/11/1893: 1) informou:

—”164 Batalhão de Infanteria – Sob o commando do tenente Sergio Gouvêa, tendo por auxiliar um alferes e um 1º sargento, seguiu para Santa Cruz do Rio-Pardo, uma força do 164 batalhão de infanteria da Guarda Nacional desta capital, para conduzir daquella localidade alguns criminosos, aliás importantes pela sua influencia.”

Sergio Gouvêa era o Secretário do 164º Batalhão de Infanteria da Guarda Nacional, com expediente na sede, e viajou com seus subordinados para a missão designada.

Pelas informações da época, Chico Gago já estaria preso em São Pedro do Turvo, notícia confirmada pelo ‘Correio Paulistano’ (01/12/1893: 1), mas ainda livres os demais membros líderes do seu grupo.

Histórico anterior desconhecido do Chico Gago e nem se sabe quando chegou a Santa Cruz do Rio Pardo para assentar-se a beira do Turvo. Talvez, até as terras, na Água do Beato e Córrego das Pontesinhas lhe tenham sido presenteadas, quem sabe aproveitando vãos sem donos entre as grandes propriedades demarcadas circunvizinhas às Onça e Jacutinga.

O diário carioca ‘O Tempo’ (30/12/1893: 1), reproduzindo ‘O Estado de São Paulo’ identificava Francisco Garcia como seguidor do místico falso frei Manoel, “o seductor de donzellas, de triste memoria, e que, devido ás suas façanhas donjuanes-cas como sabem os leitores, foi lynchado em S. Pedro do Turvo”.

A morte violenta do ‘Frei Manoel’ não fizera desistir Francisco Garcia, que organizou uma nova seita político-religiosa denominada ‘Contingente de Reação’, vista como partido sublevador da ordem pública, e que tinha sede própria, ou um templo, a duas léguas distantes de Santa Cruz do Rio Pardo.

A denominação, sem dúvida, bastante estranha a uma instituição pretensamente religiosa, embora lhe fosse dada um segmento místico conhecido como ‘Fecha-Corpos’ para proteção supostamente não apenas em proteção aos malefícios, mental ou espiritualmente projetados,  mas contra os efeitos das  armas brancas, fogo e envenenamentos, num ritual “que nada mais era do que um meio para attirar à mais desbragada libertinagem senhoras honestas e moços de família.” (Estado de São Paulo, 27/12 1893: 2).

A reportagem credita a Garcia “verdadeira potencia. Chegou mesmo a ser divinizado pelos seus admiradores”.

A seita abrigaria cometedores de crimes diversos e, entre eles, o celebérrimo [Antonio] Pedro de Camargo executor do ‘Crime da Mãozinha’ – já publicado no Diário Cidadão, que a mando da fazendeira Marianna Gonçalves assassinara uma criança de cinco anos, supostamente filha do marido da ordenadora com afrodescendente e ex-escrava. O crime foi tão violento que o assassino trouxera as mãos da criança, como garantia exigida que a ordem fora executada, e ainda o coração, que foi cravejado na parede da casa de Marianna (Estado de São Paulo, 27/12/1893: 2). A edição de 28, do mesmo Estado de São Paulo, ratifica tais crueldades.

Além do Camargo e o próprio Francisco Garcia, outros bandidos foram destacados: ‘Januário Domiciano Teixeira, João Diniz Pacheco, José Gonçalves Diniz, Luiz da Cunha e Manoel Augusto de Oliveira’, todos acusados ou autores de diferentes crimes, isolados ou conjuntamente.

Francisco Garcia autointitulava-se ‘São Sebastião I’ e assim era respeitado pelos seguidores, sendo citados casos de punições àqueles que duvidavam de sua santidade.

Dele e seus asseclas, contam horrores, por exemplo teria determinado espancamento de um ancião descrente, surrado pelo próprio filho até a morte. 

Os atos de Garcia e o aumento de seu bando exigiram providências do governo paulista que enviou para o local a força tarefa policial, com a missão em prender o líder e seus asseclas e destruir o templo.

Teria havido batalha campal, mas a polícia cumpriu as determinações, com a destruição do templo ou sede, além das prisões de Garcia, Camargo e os outros facínoras, todos conduzidos para São Paulo.

Francisco Garcia, talvez, fosse apenas líder de movimento místico isolado, derivação do catolicismo popular, como levante ideológico de contra revolução ao golpe de 1889, financiado pelas elites interessadas em restaurar a monarquia ou na conservação de antigos privilégios. Destarte não seria coincidência Marianna Gonçalves ter encontrado o Pedro de Camargo, o executor de seus planos, nas hostes de Garcia.

Causa estranheza um grupo de miseráveis, ou pobres e crédulos sertanejos, sobreviver à força do conservadorismo social e moral da época, sem interesses outros em sua manutenção, necessitando intervenção externa, pelo governo, para a eliminação.    

Por conseguinte, nos idos de 1892/1893, eram comuns organizações políticas populares simpáticas ao federalismo riograndense do sul (Revolução Federalista), cujos movimentos chamados reacionários ou de reações. Nesta época os movimentos reacionários não passavam desapercebidos no interior de São Paulo e a Revolução Federalista chegava à divisa paulista, em território ainda santacruzense, no Rio Paranapanema.

Não encontrada pelos autores a referência dada pelo ‘O Estado de São Paulo’ (27/12/1893: 1), que em sua edição de 23 de novembro do mesmo ano, dizia da tropa do Batalhão de Infanteria a caminho de Santa Cruz. A notícia informava:

—”Seguiram hontem para o interior 300 praças de diversos batalhões da guarda nacional de S. Paulo. (…). Todas estas forças formarão uma forte columna de mais de mil homens que vai estacionar, segundo nos consta, em S. Pedro do Itararé, na fronteira do nosso estado com o do Paraná.”

Evidentemente tratava-se de linha de combate contra os federalistas.

O movimento crescente e o perigo revolucionário em 1893, então na divisa paulista com a paranaense, por certo levou a polícia e os inimigos destruírem Garcia e seu grupo, composto de bandidos, idealistas e os fanáticos induzidos à participação revolucionária.

Exitosa, a diligência chegou a São Paulo, na Estação Ferroviária, no dia 25 de dezembro de 1893, viagem a pé pelo curso da Sorocabana: “Foi bastante penosa a viagem desta força, que fez a pé o percurso de setenta léguas; trouxe comsigo seis criminosos, auctores de crimes barbaros” (Correio Paulistano, edição de 27/12/1893: 2).

‘O Estado de São Paulo’ igualmente confirmou o trânsito de todo percurso Santa Cruz/São Paulo, a pé, sem revelar que os trens estariam todos, adiante de Botucatu, requisitados para as forças legalistas de prontidão, porventura requisitadas para a batalha federalista.

Em São Paulo os soldados foram recebidos pelo Comandante de Batalhão da Guarda Nacional, o Major Antonio Saturnino Cardim, oficiais e inferiores da Guarda Nacional, e grande presença popular, ocasião em que foram dados elogios, ‘rancho especial’ e quatro dias de folga para os executores da tarefa, e “A força que escoltava os presos foi substituída na estação por outra que acompanhou os presos até á detenção” (O Tempo, RJ, 30/12/1893: 1).

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