Histórico documentado sobre o mais icônico político mandador na comarca santa-cruzense-do-rio-pardo, o famanaz coronel Antonio Evangelista da Silva, alcunhado Tonico Lista, nome amado e odiado tanto que, ainda no ano de 2022, cem anos após sua morte, desperta paixões e causa polêmicas.
Regras políticas da época, o prefeito era o escolhido ou eleito pela câmara municipal, quando da formação de sua mesa, escolha do prefeito e renovação, ano a ano, dentro da legislatura.
O prefeito eleito ou escolhido não podia se ausentar do município, além de determinado período, sem licença camarária, mas ninguém se importava com isto, o elegido era sempre o chefe político ou alguém por ele indicado.
Lista, prefeito em 1921, com a mudança da família para São Paulo em 1919, sempre que em visita aos seus permanecia por mais tempo na capital do estado, acima do legalmente permitido, sem a oficialização devida para o vice ocupar a chefia do executivo em seu lugar.
A oposição, sem maioria para depor Lista do cargo, ameaçava denunciá-lo ao judiciário. O coronel recebeu alerta de companheiros e, assim, desembarcou na estação ferroviária local, aos 09 de outubro de 1921, quando preso por ordem do juiz Arthur Mihich, numa operação combinada entre as autoridades santa-cruzenses, caso ‘Irmãos Rocha’, considerando despacho de pronúncia em 06 dos mesmos mês e ano, mantido em sigilo.
O acontecimento alcançou manchetes e notícias nos principais jornais da grande imprensa e dos hebdomadários locais, ‘Cidade Santa Cruz’ – situacionista; ‘Trabuco’ – oposicionista e satírico; e ‘A Ordem’ – porta-voz da oposição política.
Lista, por meio de seus advogados, recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo, pelas contradições entre as testemunhas, insuficiência de provas, interpretações descabidas e a inclinação, em primeira instância, para sua condenação.
Patenteou-se que o juiz Mihich, no afã em prender e condenar Lista, revisara todo o corpo de jurados, excluídos em massa aqueles que não podiam obedecer às determinações em punir o coronel, entre eles os escrivães, médicos, advogados e os mais importantes fazendeiros do município, deixando com isto somente aqueles políticos filiados ou vinculados com a oposição perrepista. (Correio Paulistano, referência, 07/09/1921: 10).
O juiz da comarca cometera um erro que foi a revisão no corpo de jurados, sob o pretexto de elevação do nível – preceitos da ‘Liga da Defesa Nacional’, com isso descartados aqueles suspeitos partidários do coronel, ou seja, para os advogados de Lista no quadro dos jurados estavam apenas os declaradamente contrários ao réu.
Outro deslize do magistrado da comarca, assentado pela defesa do coronel e reconhecido pela própria grei municipalista, foi a sua parcialidade no caso, porém justificada como ato de boa-fé:
—”Apontava-se como traço de parcialidade do juiz o ter negado uma pergunta aos advogados do recorrente. Negou é facto. Mas porque negou? Elle o declara: porque a pergunta não se referia a facto, que tivesse reportado pela testemunha. Foi um erro crasso de juiz, pois, o regulamento de 1871 é expresso: “O juiz só póde negar a pergunta quando ella não se relacione com os factos expostos na denuncia ou queixa”. Pouco importa que ella não se refira aos factos narrados pela testemunha. Uma vez que se relacione com o que está na denuncia a pergunta não póde ser recusada. O fundamento que se deu, embora errôneo, patenteia a boa fé desse magistrado.” (O Combate, 06/12/1921: 1).
O argumento do juiz Mihich que para a pronúncia bastavam indícios veementes etc., que foi desconsiderado pelo TJ-SP: “Affirmou o sr. relator que, para a pronuncia, em caso de mandato criminal, é necessário prova cabal da autoria intellectual, attribuida ao denunciado.” (O Combate, 02/12/1921: 3, relator Paula e Silva).
Em tais considerandos e outros, o Tribunal de Justiça, considerou respeitáveis os argumentos da defesa, expostos nos autos, anteriores ao pronunciamento (Correio Paulistano, transcrição, 07/09/1921: 1 e 3) e o coronel, aos 05 de dezembro de 1921 se viu livre da sentença condenatória, despronunciado e posto em liberdade, atuando a seu favor os advogados Altino Arantes, Julio Prestes e Raphael Sampaio.
Lista recuperou o cargo de prefeito e reassumiu as funções de chefe partidário, retornando forte na política local para reorganizar o partido visando as eleições de 29 de abril de 1922, aos cargos de deputados e senadores do estado.
O despronunciamento de Lista, e, consequentemente, sua liberdade, trouxera preocupações aos correligionários quanto a possibilidade de algum atentado contra o líder. A oposição tinha a certeza de que tal ataque ocorreria.
Lista tranquilizava os companheiros e desprezava os adversários, através de publicações na imprensa, da capital e interior, inclusive local:
—”Quanto ao meu assassinato, que os nossos inimigos pregam e propalam pelas esquinas e pela imprensa, peço aos meus correligionários que não se preocupem com isso. Eu não temo essas ameaças, nem lhes dou ouvidos.” (Cidade de Santa Cruz, 19/12/1921, sob o título ‘Aos meus companheiros’).
Ainda que a aparente tranquilidade expressa pelo coronel, os dias antecedentes ao pleito de 1922 mostravam-se extremamente agitados. O semanário ‘O Trabuco’ trazia ameaça à integridade física do chefe político situacionista, rechaçadas por Avelino Taveiros através da folha ‘A Cidade’, até com preterição.
Na data anterior à votação os eleitores já haviam sido arrebanhados e postos no denominado ‘curral’ onde permaneceriam aguardando o momento de votação, e, na manhã 29 de abril, a fila estava grande para o sufrágio e, “em dado momento, os revolvers e as facas foram postos em scena” (Correio da Manhã, 15/05/1922: 2), claramente um primeiro tiro em direção ao Lista e daí enfrentamento generalizado entre as partes, resultando mortos e feridos. O coronel escapou ileso.
Apesar da prenunciada violência, nenhuma providência tomada pelas autoridades para evitações, não desarmando as partes adversárias, e contaram-se os mortos: João Cunha, Antonio Andrade e João Paula Garcia; e os feridos Chrystalino Rodrigues da Silva, Aristides Rodrigues da Silva, Armando Alves Lara, Manoel Claudino de Oliveira, Arlindo de Castro Carvalho e João Porto.
Os adversários, naturalmente, divergiram-se quanto aos antagonistas: “A oposição nos atacou havendo mortes e feridos. “(…). A provocação partiu do dr. Ataliba Vianna (…).”, telegrafou o Lista ao presidente do Estado de São Paulo, quase de imediato aos acontecimentos, requerendo urgentes providências (Correio Paulistano, 30/04/1922: 4).
A oposição, na mesma data, pelo advogado dr. Ataliba Pereira Vianna – secretário do Partido Municipal, também comunicou a mesma autoridade:
— “Antonio Evangelista da Silva, presidente do directorio situacionista, á porta da casa da eleição, com mais de cincoenta capangas, impede a entrada dos eleitores do partido municipal, a tiros de revolver, havendo varios mortos e feridos.” (Correio Paulistano, 30/04/1922: 4).
Do ocorrido, o delegado da polícia regional de Botucatu, dr. Affonso Celso de Paula Lima, telefonou na noite de 30 de abril para o secretário da justiça e segurança pública estadual, Cardoso Ribeiro, informando que a situação em Santa Cruz estava sob controle: “O delegado de Santa Cruz do Rio Pardo não julgou necessario que se transportasse áquella cidade o delegado regional.” (Correio Paulistano, 30/04/1922: 4).
Isto teve consequências e as primeiras prisões foram efetuadas, segundo expediente assinado pelos delegados dr. Affonso Celso de Paula Lima, da Regional de Botucatu, e o dr. Victor Brenneisen, de Santa Cruz do Rio Pardo:
— “Já foi concedida a prisão preventiva de Evaristo Ferreira Sousa, autor da morte de Antonio Andrade; de João Fleury, autor da morte de João Paulo Garcia; de Aristides Rodrigues Silva e João Machado Silva, autores da morte de João Cunha; e de Cyrillo Antonio Rocha, autor dos ferimentos graves em Armando Alves Lara. Foi negada a prisão preventiva de Antonio Evangelista da Silva, [também as de] Durvalino Oliveira Silva e Gustavo Antonio Silva, continuando o inquerito regulamentar.” (Correio Paulistano, 07/05/1922: 3). Também presos Rachid de Queiroz, José Rachid de Queiroz, Gustavo Antonio da Silva, Chrystalino Rodrigues da Silva e Arlindo de Castro Carvalho, e outros nomes nomes seriam acrescidos ao rol de acusados, todos julgados e absolvidos a 10 de outubro de 1925, com apelação da promotoria para o Supremo Tribunal Federal – STF, decidindo-se por novo julgamento ocorrido em 24 e 25 de novembro de 1927, sendo os réus absolvidos no crime comum, porém condenados por cometimento de crime político, cabendo a Evaristo Ferreira de Souza, Chrystalino Rodrigues da Silva, Rachid Queiroz, João Fleury, João Machado e Aristides Rodrigues da Silva, pena de quatro anos de prisão cada, e aos réus Arlindo de Castro Carvalho, Gustavo Antonio da Silva e José Rachid Queiroz, dois anos e seis meses (Diario Nacional, São Paulo, 26/11/1927: 2).
— Nova apelação, agora dos condenados por crimes políticos, então de novo julgados, absolvidos e soltos, conforme sessão de 21/07/1928 (Diario Nacional, 22/07/1928: 4).
A 08 de julho de 1922, novo atentado contra o coronel Tonico Lista, desta vez fatal.
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