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Especial Tonico Lista (parte X): “O enfrentamento final: uma nova versão do atentado, cem anos depois – segunda parte”

Histórico documentado sobre o mais icônico político mandador na comarca santa-cruzense-do-rio-pardo, o famanaz coronel Antonio Evangelista da Silva, alcunhado Tonico Lista, nome amado e odiado tanto que, ainda no ano de 2022, cem anos após sua morte, desperta paixões e causa polêmicas.

 

Cem anos depois, nova versão do atentado que matou o coronel Lista

Todas as versões conhecidas sobre o tiroteio, que culminou com a morte de Tonico Lista, são imprestáveis jurídica e historicamente; inexistem documentos da época e  os divulgadores das diferentes narrativas não estavam presentes, à exceção do Mizael de Souza Santos – o Zaeca, dono da venda onde o acontecido, todavia, consta, a justificar-se ausente no momento do confronto, por coisa qualquer aos fundos da venda, mas, a versão que viria apresentar depois, tornar-se-ia bem próxima à ‘oficializada’ na obra póstuma de José Ricardo Rios “Coronel Tonico Lista – o perfil de uma época” (Debate, 2004), que mais agiganta o mito do coronel sobre-humano, aquele que, ferido de morte por tiro traiçoeiro que lhe acertou ‘um rim e o  estômago’, ainda encontra forças para ir atrás do algoz, a vida a se esvair, então a apoiar na parede o braço com a arma, procurando visualizar o assassino que corria a uma distância de quarenta metros, mais ou menos, disparar e acertar o agressor, tiro não fatal, porém, o suficiente para derrubar o algoz e pensa-lo morto.

Com certeza, não foi assim. 

Num texto desenvolvido sobre informação familiar, de autoria resguardada a pedido, Manoel de Faria Valença Filho, idade de 18 anos, auxiliar de tipógrafo, foi uma das duas pessoas que presenciou o atentado fatal contra o coronel Antonio Evangelista da Silva, no interior do empório de Mizael de Souza Santos, o Zaeca, a outra testemunha.

Manoel Filho, num canto do estabelecimento, aguardava o coronel Lista conferir algumas anotações para depois ler e corrigir, se necessário, a ‘prova’ de matéria jornalística, que lhe entregara, para ser publicada no semanário ‘Cidade de Santa Cruz’, circulação prevista para o dia seguinte, domingo, 09 de julho de 1922. Um hábito, sempre que possível, o coronel lia e ajustava os artigos que lhe dissessem a respeito, afinal, era ele o dono oculto do hebdomadário em questão.

— Manoel era filho do jornalista e advogado Manoel [Augusto] Faria Valença, maçom, negociante estabelecido em Santa Cruz do Rio Pardo com papelaria e tipografia, além do jornal Cidade de Santa Cruz, à Rua Coronel Emygdio José da Piedade, falecido aos 30 de setembro de 1921, idade de 42 anos, deixando viúva dona Ordália de Castro Faria e os filhos Manoel, Nair, Olympio, Maria de Lourdes e Haydée, além do sobrinho e afilhado residente com a família, Francisco Faria Mesquita (Correio Paulistano, 10/10/1921: 6).

Embora amigo do coronel Tonico Lista, Manoel pai teve penhora e falência com perda total dos seus bens (A Ordem, SCR.Pardo, 18/08/1921: 2 e Diário Oficial de São Paulo – DOSP, de 21/03/1922: 2048), deixando a família em séria dificuldade financeira, mitigada a fome graças aos auxílios da Maçonaria local (Memórias da Família Faria Valença, (…), obra manuscrita, CD: A/A), além do trabalho do primogênito Manoel, na tipografia que publicava o ‘Cidade Santa Cruz’, empresa até recentemente de seu pai.

O coronel Tonico Lista, apesar das dificuldades pessoais que atravessava, poderia ter auxiliado os Valença Faria, porém, não o fez, daí a mágoa da família, primeira geração, em relação ao coronel e a apagar das memórias o nome de Santa Cruz, conforme se vê no manuscrito (CD: A/A). Manoel pai metera-se numa aventura em Santa Cruz a convite do Lista, que atravessava terrível fase política, e lhe foi fiel escudeiro, endividando-se com a compra da tipografia e assumindo o controle do jornal ‘Cidade de Santa Cruz’, atacando adversários sem se importar com as perseguições e prejuízos que lhe moveram os inimigos e adversários do coronel.

Acontecimento conforme informado

Santa Cruz estava sob ordem do desarme obrigatório da população, desde o tiroteio defronte a Câmara Municipal em 29 de abril de 1922; policiais vindos da capital eram os encarregados das revistas aos cidadãos, acompanhados de um soldado local, de modo a distinguir situacionistas e oposicionistas.

Para a segurança solicitada do coronel Lista, designado o soldado Francisco Alves, fardado e armado, a acompanhá-lo observando os lugares costumeiros do coronel, onde pudesse ele estar mais relaxado e desatento, facilitando um atentado, escolhido o comércio do Zaeca, de onde a possibilidade de fuga em direção à praça, atravessá-la para chegar à Delegacia de Polícia/Cadeia Pública, do outro lado, para pôr-se a salvo; fato pensado e amadurecido.

— Alves chegou a Santa Cruz do Rio Pardo com a combinação expressa de assassinar o coronel Tonico Lista, sob promessa de paga o suficiente para adquirir um bom sítio, ou, em caso de revés, o dinheiro repassado à viúva, garantiam-lhe; caso fosse preso em flagrante que confessasse o crime a mando.

Naquele 08 de julho de 1922, na venda do Zaeca, o jovem Manoel acompanhou o olhar ligeiro do coronel Tonico Lista sobre um dos adversários que passava, do outro lado da rua acenando, como saudação, para o Francisco Alves em guarda na porta, e, depois, outro homem, também antagonista político do coronel, em direção contrária ao primeiro, de igual modo a cumprimentar o militar; algo estranho, os adversários do coronel evitavam passar num local que ele pudesse estar. Lista levantou-se agitado, resmungando alto das suas suspeitas, enquanto se dirigia rápido ao balcão onde, escondido, um revólver. 

Mero pressuposto, Lista ao alcançar o objeto talvez não tenha percebido o Alves vindo atrás de si, de arma em punho ou a sacá-la, então, entre a hesitação e a certeza do que lhe aconteceria, o coronel abriu fogo acertando o policial que também atirava. Lista alvejou o Alves num dos ombros enquanto recebia um balaço que lhe fez girar o corpo, já em queda ao chão, ouvindo-se outro disparo feito por Alves e possivelmente tenha atingido o coronel nas costas.

O soldado, ferido, correu rumo à praça pública enquanto Manoel, em desabalada carreira descia pela Rua Conselheiro Antonio Prado até a Rua Saldanha Marinho, e, daí à Rua Emygdio José da Piedade, onde residia.

— Recordações santa-cruzenses ditam um homem correndo em direção contrária à do soldado, via Rua Conselheiro Antonio Prado e rumo ao Rio Pardo pela Saldanha Marinho, trajeto feito por Manoel Filho até a Rua Coronel Emygdio José da Piedade onde residia (CD: A/A).

Para melhores esclarecimentos, o empório do Zaeca, funcionou, primeiro, à Rua Conselheiro Antonio Prado, pouco abaixo da antiga Câmara Municipal, depois transferido para o prédio na esquina da mesma rua com a Saldanha Marinho.


Materia completa jornal “O Combate”, edição de 10/07/1922

A família de Faria Valença deixa Santa Cruz

O jovem Manoel, aconselhado pela mãe partiu para São Paulo. Nada de se estranhar quanto a atitude de um jovem receoso pelos acontecimentos, e, pouco depois, também a família deixaria o lugar para morar em Dois Córregos antes de radicar-se na capital.

Um pesquisador da família Faria de Valença, em visita a Santa Cruz do Rio Pardo, entrou em contato com os autores em busca de dados e trocas de informações, expedientes e documentos sobre o advogado e jornalista Manoel Augusto de Faria Valença, com algumas referências sobre o Manoel Filho, conhecido por Maneco, um homem traumatizado, distante da família e da própria esposa, com mania de perseguição por sombras do passado e, num momento de desespero, a atentar contra a própria vida, no entanto, socorrido, sobreviveu, vindo a falecer anos depois, sem qualquer relação com tentativa de suicídio.

Opiniões de quem sabe

Pela versão oficializada do atentado contra Lista e sua reação, profissionais em lesões por projéteis de arma de fogo, área médica e peritagem de balística forense, apontam probabilidade próxima de zero para pessoa, antecipadamente ferida por um ou dois tiros de revólver [calibre 38] atingindo rins e estômago, reagir à maneira descrita (CD: A/A).

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