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Especial Tonico Lista (parte XII): “O Coronel e o ‘jogo do bicho’ em Santa Cruz do Rio Pardo”

Histórico documentado sobre o mais icônico político mandador na comarca santa-cruzense-do-rio-pardo, o famanaz coronel Antonio Evangelista da Silva, alcunhado Tonico Lista, nome amado e odiado tanto que, ainda no ano de 2022, cem anos após sua morte, desperta paixões e causa polêmicas.

Coronel Tonico Lista e o ‘jogo do bicho’ em Santa Cruz do Rio Pardo

Os jogos de apostas sempre acompanharam os sertanejos santa-cruzenses e não eram, apenas, práticas de diversões entre familiares e grupos de amigos, pelo prazer das disputas com ou sem apostas simbólicas. Jogava-se o permitido legalmente, pagando impostos, como os jogos de diversões e as loterias; e o proibido, aqueles especificados nos jogos de azar, uma tênue separação facilmente burlada. 

O primeiro Código de Posturas da Câmara Municipal, em vigor a partir de 1883, identificava quais os divertimentos liberados e aqueles vedados, como os jogos de azar, sujeitos a multas e prisões, porém, as vedações normativas não impediam as práticas desses jogos. Antes, obedeciam-se às legislações dos municípios que lhe foram mães, nos seus respectivos tempos, Botucatu e Lençóis Paulista.

 

— Os jogos de azar eram aqueles onde o apostador empregava seu dinheiro com a probabilidade rara de altos ganhos contra a casa ou banca, todavia, os fatores da aleatoriedade e sorte ocorriam sem a interferência das habilidades do jogador, com a agravante de tornar pobre um homem abastado ou rico, pois as chances corriam mais em favor do banqueiro.

— Os tipos de jogos e entretenimentos em Santa Cruz do Rio Pardo, os permitidos e os proibidos, até onde possível alcança-los retroativamente no tempo, podem ser vistos na página http://satoprado-ebook.blogspot.com/2013/07/historia-complementar-inicio-do-seculo.html.

As jogatas santa-cruzenses eram intensas no último quartel do século XIX, desde as loterias de governos, provincial e imperial – com rendas revertidas ao município da vez, aos carteados, bingos, corridas de cavalos, e as brigas de galos, de pássaros, de cães e de touros. Construções e reformas da igreja matriz e fundos para instituições de caridades, entre outros exemplos, eram custeados por loterias do governo (Documentos e expedientes para a história de Santa Cruz do Rio Pardo, cópias digitalizadas em arquivos dos autores).

Nos antigos clubes santa-cruzenses praticavam-se jogos permitidos e proibidos, destacados, por memórias, o Clube [do] Xadrez e o Clube dos Vinte, notórios pelos dramas causados às famílias santa-cruzenses, além das jogatinas na Zona do Meretrício, onde os acontecimentos dos jogos de azar misturavam-se aos ‘casos de amor’, às violências e agressões além do flagelo das drogas, homicídios e suicídios.

Santa Cruz teve cassino e casas de jogos, quando nos tempos tolerados ou legalmente permitidos; por exemplo, tinha um hipódromo, apostavam-se em corridas de cavalos, conforme noticiado em 1910 (Cidade de Santa Cruz, 27/11/1910: 2), situado dentro das terras do coronel Antonio Evangelista da Silva – Tonico Lista e administrado por Fernando Motta, Oficial do Registro Civil (Cidade Santa Cruz, 10/07/1909: 1 – indicações públicas) e proprietário do ‘Chalet de Loterias’ (Cidade Santa Cruz, 18/09/1909: 3 – informe publicitário), um nome conhecido e bastante popular no ‘mundo’ dos jogos.

— O hipódromo continuou ativo por outros donos do local pós Tonico Lista, e perdurou até o final dos anos 1940, situado onde hoje o Lar do Menor.

Nenhum dos jogos em Santa Cruz do Rio Pardo, legalizados ou não, teve a popularidade do ‘jogo do bicho’, já no início dos anos 1900 bancado pelo capitão depois coronel Antonio Evangelista da Silva – o Tonico Lista, com apostas feitas nos botequins, ou, como se dizia na época, em qualquer poste onde um anotador circulante pudesse se apoiar e preencher as apostas, geralmente uma fezinha aposta de pequena quantia, sob a rígida supervisão de Manoel Cardoso da Silva – conhecido por Manoel Cardoso, contado no rol dos amigos mais reservados do coronel, inclusive visitando-o na prisão (Cidade Santa Cruz, 09/11/1921: 1-2). 

O ‘Chalet de Loterias São Benedito’ – casa lotérica do Fernando Motta, situada na atual Rua Farmacêutico Alziro de Souza Santos – mais propriamente a Praça Deputado Leônidas Camarinha, também recebia apostas nos ‘jogos do bicho’ continuando com a mesma prática quando o comércio assumido por João Baptista de Souza. A ‘Casa Lotérica Esperança’, de Antonio Leite do Amparo, o Totó Leite, na Conselheiro Dantas – na então Vila Nova, era outro lugar onde se faziam jogos no ‘bicho’ sendo que a Lotérica Esperança se tornou propriedade do Cleophano Motta e mudou endereço para o saguão do Cine Santa Cruz (O Contemporaneo, 08/05/1915: 1).

— O ‘jogo do bicho’ data de 03 de julho de 1892, idealizado pelo barão João Batista de Drummond para atrair turistas e subsidiar o zoológico da Vila Isabel, zona norte do Rio de Janeiro, tipo rifa com o nome de bichos, uma versão fauna adaptada da mexicana Loteria das Flores idealizada por Manuel Ismael Zevada.

Desde o princípio o ‘jogo do bicho’ era prática controversa, não possuía legalização nem era criminalizado, dividindo opiniões, para uns jogo de azar, portanto deveria ser proibido e reprimido pelas autoridades, em nome dos bons costumes e da ordem pública. Para outros, uma prática barata de se tentar vida melhor, até fácil de ganhar pequenas quantias com pouco dinheiro, uma diversão lúdica intentada para fins sociais, tipo bolsa de aposta, ainda que sem documentação legitimada, firmada na confiabilidade de quem ganha recebe.

— O ‘jogo do bicho’, segundo especialistas, era viciante e gerador de sérios transtornos familiares e mesmo sociais, principalmente nas camadas mais pobres da população, onde se encontravam os vulneráveis às ações dos responsáveis – banqueiro e intermediário, inexistindo comparações sérias do ‘jogo do bicho’ com as loterias legalizadas e bancadas pelo governo, sob o compromisso de investimentos sociais.

Em Santa Cruz do Rio Pardo, o ‘jogo do bicho’ era tolerado pelas autoridades e culturalmente aceito, sem qualquer perseguição aos anotadores, os ‘bicheiros do Cardoso’ que respondia diretamente ao coronel Tonico Lista, com movimento de milhares de réis ao dia – dinheiro da época.

Os apostadores aguardavam resultados oficiais das loterias federal e estadual paulistana, cujos resultados chegavam, antes pelos jornais que chegavam atrasados, depois por algum funcionário da Estrada de Ferro Sorocabana. 

— Uma alternativa vezeira santa-cruzense era correr o jogo em determinado dia sem loterias, na própria cidade, através da roleta de parede, versão permitida da proibida roleta de mesa que era considerada jogo de azar. Havia muita credibilidade nesta ‘prática caseira’ e o povo apostava e muito.

Exceto ‘a geração de empregos individualizados’ e a sorte milionária de alguns poucos ganhadores, os ‘rabudos’, não havia qualquer finalidade social do banqueiro local na prática do jogo, que ficava, quase sempre, com a maior parte diariamente arrecadada, constituindo-se lucrativo e milionário comércio.

Nos anos 1970/1980 antigas memórias lembravam do Manoel Cardoso da Silva, o Manoel Cardoso, que na primeira vintena do século XX era o nome visível no ‘jogo do bicho’ bancado pelo coronel Tonico Lista.

— Manoel Cardoso da Silva, descendia de família bugreira instalada na Fazenda Alambari, terras originalmente apossadas por Antonio Cardoso da Silva (Registro Paroquial de Terras – Botucatu nº 395), aonde o início e fim do limite territorial de Santa Cruz do Rio Pardo, conhecido como “Logar dos Cardoso” (Câmara Municipal de Lençóis Paulista, sessão de 26/10/1872, delimitação aprovada pelo Governo da Província de São Paulo por Ato de 09/11/1872).

— Manoel Cardoso da Silva até ganhou de Tonico Lista – documentação como compra, uma chácara ou data com moradia, nas proximidades do Rio Pardo, onde residiu com a sua mulher Maria Joaquina Nogueira, os filhos e as filhas. 

O vício do jogo, não apenas o do ‘bicho’, trouxe sérios transtornos para algumas famílias santa-cruzenses, ainda nos dias atuais com doloridas lembranças transmitidas de geração a geração, que o coronel Tonico Lista, banqueiro na exploração dos jogos de azar, foi dilapidador de fortunas domésticas, a exemplo do acontecido com o farmacêutico Agenor Soares de Camargo, proprietário da Farmácia Camargo (Cidade de Santa Cruz, 22/12/1913: 1, informe publicitário), jogador inveterado que perdeu, em apostas, o casarão construído em 1910, que se tornou propriedade de dona Guilhermina Brandina da Conceição, esposa do coronel Lista, local onde  hoje abrigada a Biblioteca Municipal.

Também o reverendo padre dr. Luiz Priuli, vigário santa-cruzense entre 1903/1908, foi um viciado em jogatinas de azar, que, endividado, apropriou-se de dinheiro da Igreja para pagamento dos débitos contraídos (Processo: Archivio Segreto Vaticano, Arch. Nunz. Brasile 157, fasc. 787).

Outro exemplo emblemático de derrocada financeira, por vício compulsivo em jogos de azar, aliada a outros fatores consequentes, o afazendado Augusto de Souza Bueno que se viu obrigado hipotecar suas terras – 185 alqueires com 25 mil cafeeiros, como garantia de empréstimos junto a firma Penteado & França, operadora de comissões, empréstimos e porcentagens, familiarmente vinculada ao Nestor de França, cunhado do coronel Tonico Lista.

— No caso, a Penteado & França repassou sua carteira à Conceição e Companhia, de igual segmento, e, por inadimplência, a fazenda levada a hasta pública e arrematada pelo coronel Antonio Evangelista da Lista (DOSP, 20/05/1909: 1599 e seguintes). Horrendamente funcionava assim.

O jogo do bicho foi remetido à ilegalidade, como contravenção penal, pelo decreto de lei nº 3.688, de 03 de outubro de 1941, artigo 58.

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Contato: pradocel@gmail.com   

Consulte nossos trabalhos: https://historiasantacruzdoriopardo.blogspot.com

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