“Não basta que todos sejam iguais perante a lei. É preciso que a lei seja igual perante todos”; Salvador Allende
O livro de Jó foi escrito para relativizar o juízo de um homem contra outro. Sim, o que nos custa a crer é que todo o esforço de Jó foi para “despadronizar” o juízo. Ele cria a inescrutabilidade da relação de Deus com o indivíduo. E, justamente por isso, ele também afirma que, se de um lado o homem pode alterar as leis universais, o que ele, de fato, sozinho, não consegue, é entender e, muito menos ainda, alterar o seu próprio coração. Jó, portanto, crê que cada indivíduo é julgado sozinho e de acordo com suas próprias obras, e mais, ele crê que esse julgamento apenas compete a Deus, pois, de fato, a complexidade humana não admite padronizações exteriores ou morais para o julgamento.
A razão é simples, a moral é a norma da maioria. Mas como seres únicos podem ser julgados pela maioria? Maioria não é norma nem para animais, quanto menos para seres humanos. Entre os humanos não é cada um segundo a sua espécie, mas cada um segundo as suas obras pessoais, o que torna a compreensão de cada situação uma prerrogativa exclusivamente de Deus. Então, depois disto, você pergunta: para o quê então serve a moral como o pensar da maioria? Ora, serve para dar limites. Todavia, em relação a Deus, creio eu, ela não serve para nada, exceto para dar aos humanos uma sensação de segurança e auto justificativa, além de oferecer um instrumento obtuso e injusto de juízo do próximo. Já a verdade, a justiça e a equidade, que nem sempre têm qualquer coisa a ver com leis morais, nos são indispensáveis a fim de que haja igualdade de oportunidades mínimas entre os humanos, como sociedade e como indivíduos.
Além disso, Deus ama a verdade, a justiça, a equidade e sobretudo, a MISERICÓRDIA, e, neste caso, a lei tem utilidade muito maior que a moral. A lei pode impedir o crime ou punir uma vez realizado, mesmo nós afirmando que no Brasil não se cumpre a lei. A moral, contudo, não serve objetivamente para nada além de provocar a presunção do juízo de um homem contra o outro, ou, de toda uma maioria contra uma minoria. Assim, a moral, como o termo já diz, é a norma da maioria, já a lei funciona para determinar as liberdades de um contra o outro e os limites das mesmas.
A lei pode impedir a tirania, a moral a cria, ou seja, a lei me proíbe de oprimir meu próximo, já a moral, tenta clonar todos os que queiram ser reputados em determinada coisa numa dita sociedade moral e de aparências padronizadas.
A lei nos proíbe de não permitir o outro ser, mas nos garante que essa liberdade vai apenas até o limite em que sua expressão de ser não viole um outro ser humano. A moral, todavia, nos impede de ser diferentes da maioria, portanto, mata a expressão do ser. A lei defende o meu próximo da tirania, já a moral dá ao meu próximo o poder de me julgar pela mediocridade.
Moral muitas vezes é a “lei da média”, portanto, é a lei da maioria e da imagem, criada pela maioria para regulamentar a “normalidade” humana, fazendo de mim, na melhor das hipóteses, um sobrevivente da mediocridade.
Portanto, quanto mais submissão à lei moral, mais a mediocridade reina soberana, e mais a individualidade humana é desconhecida. E quando isto acontece, a generalidade dos códigos da maioria é transformada em norma para uma espécie que não pode ser normatizada por uma única razão: ela foi feita à imagem e semelhança de Deus, e por isso, é uma espécie de seres singulares.
A espécie humana é a única espécie onde cada indivíduo é um mundo à parte. Ora, saber disso faz cessar toda presunção de julgamento. Afinal, quem já foi o outro para entendê-lo e presunçosamente poder julgá-lo?
Toda padronização de julgamento implica na redução do outro a uma fabricação em série, o que, em si mesmo, nega a singularidade do indivíduo humano e muito mais ainda, a “complexidade da imagem de Deus no próximo”. Quem entende isto, no máximo, reza e ajuda ao próximo-irmão, mas jamais julga, pois nesse caso, julga a si mesmo e não ao suposto objeto de seu juízo. A singularidade humana elimina a possibilidade de que qualquer juiz humano se apresente para julgá-lo diante de Deus. Pode-se julgá-lo pela quebra da lei que regula as relações entre homem e homem, mas pára por aí. Não se chama a Deus para o tribunal. O que disto passar é pecado e blasfêmia. Pois é mais fácil encontrar jazidas de pedras preciosas no coração da terra que entenderão uma única fagulha de se sentir humano!
É só até aí que um homem pode andar na direção de um ou outro. Deve, todavia, saber que assim como é capaz de alterar a natureza para seus fins pessoais, pode, ainda com mais facilidade, alterar a existência do próximo com seus juízos e com suas presunçosas razões, destruindo-lhe assim, a existência na terra. O Evangelho dá testemunho de tudo isso que eu rabisquei.
Abraços,
Frei Edmilson.
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