A partir de meado dos anos 1970, começou em Santa Cruz do Rio Pardo uma onda de restauração da imagem do coronel Antonio Evangelista da Silva, o Tonico Lista, o mais icônico dos coronéis santa-cruzenses, como fruto do meio em que vivia ou da época, quando a necessidade de se ter um líder forte. Neste resgate destacou-se o saudoso professor José Ricardo Rios, levantamento consolidado em sua obra póstuma “Coronel Tonico Lista – o perfil de uma época”.
Inegável, Tonico Lista foi a representatividade política santa-cruzense, como grande administrador público que conhecia os problemas do município e sobre eles agia, com seus assessores especialistas, nas mais diversas áreas, com larga visão nos campos educacional e da saúde pública, o primeiro visando a educação de todas as crianças em idade escolar, e, a segunda voltada para as medidas profiláticas e de saneamento básico no município, em ambas situações oferecendo toda infraestrutura possível para a época.
Com a abertura dos arquivos dos cartórios, da Igreja e da grande imprensa, além da possibilidade de pesquisas por internet, muito se descobriu sobre Tonico Lista, assuntos impossíveis de acessos nos anos de 1970 a 2012, por isso a necessidade premente de se reescrever a saga de Tonico Lista, abrangendo toda sua trajetória desde São Simão a Santa Cruz do Rio Pardo, cidade esta que marcou sua ascensão política e vida particular, com tantas novas revelações documentadas, que se faz necessário novo livro ou trabalho que possa mostrar quem foi realmente o coronel Tonico Lista, suas virtudes e mazelas, desfazendo-se das lendas e historíolas, mantendo a verdade. Junko e eu estamos preparando isto.
Também, nos anos 1970, com muitos daqueles que conheceram o coronel Tonico Lista, se discutia o seu lado cruel em relação aos adversários e inimigos políticos, um homem que não permitia traições e nem opositores ao seu sistema de mando, na territorialidade de seu ‘feudo’ representado pelo município e comarca. Caracterizava-se o coronel o seu outro fluxo, marcado, pelo companheirismo e proteção àqueles que a ele se aliavam, cobrando-lhes fidelidade acima de tudo, afinal, era um líder a quem os inimigos e adversários odiavam, os amigos e companheiros admiravam, que, em verdade, estes e aqueles, temiam-no, inclusive a parentela sempre presta a seu dispor.
Assumindo o controle político santa-cruzense Lista exerceu o mando com mãos e garras de aço, fazendo com que ricos e prósperos fazendeiros, trabalhadores autônomos e profissionais liberais, por medos e precauções, abandonassem o município e a comarca. Tonico Lista era violento.
Bastante correto que Lista marcou época, como o mais poderoso coronel regional, braço armado do Partido Republicano Paulista nos avanços sobre as Média e Alta Sorocabana; cumpriu aquilo que dele se esperava, não tendo dúvidas em eliminar grandes e pequenos coronéis opositores, ou qualquer um que ousasse elevação maior que a sua na comarca, ou, apenas, o contrariasse.
Com os tantos feitos e desfeitos, evidentemente, o coronel colecionou inimigos, alguns poderosos ou que viriam se tornar, quando a política estadual trouxe mudanças que viriam prejudicá-lo, ao lado do seu poder desgastado ao longo dos anos, com o soerguimento de contestadores e das desavenças de famílias amigas que lhe eram servis, brigando entre si, eliminando-se, citadas as dos Rocha e Lara, para alguns, disputas de prestígios junto ao chefe, para outros e a Justiça, talvez intrigas particulares, ou, o coronel a se desfazer de antigos companheiros, nos quais não mais confiava, ou, simplesmente, para ‘não ter rabo preso’.
Três inimigos de Tonico Lista tornaram-se poderosos, no início dos anos 1920, a ponto de ameaçá-lo: o outrora juiz da comarca, dr. Francisco Cardoso Ribeiro, expulso do território; a poderosa família Piedade, que teve um dos membros morto a mando do coronel; e Ataliba Leonel, o homem coronel e político que fizera crescer Tonico Lista e lhe dera mão forte, nos mandos e desmandos, começando com queda política de Abreu Sodré.
Cercado de adversários, Tonico viu crescer a oposição contra ele, já pensando num acuamento estratégico ao retirar sua mulher e filhos para a Capital do Estado, já a desfazer-se dos principais bens e preparado o seu herdeiro político. Os inimigos não lhe deram tempo para retirada, e, sua morte, por assassinato, colocou Santa Cruz em pavorosa, com destino político imprevisível, afinal o grupo adversário fora o responsável pela sua eliminação.
A morte de Tonico Lista trouxe, de imediato, a revelação hoje pouco ou nada observada, que, passado o impacto de sua morte, nenhum amigo – à exceção conhecida de F. de Assis -, parente ou correligionário perrepista – do partido Republicano Paulista, fizeram qualquer declaração ou nota de veemente repúdio sobre o acontecimento. Mesmo o coronel Osorio Bueno, primo e herdeiro natural do legado político de Lista, na opinião de muitos, sequer se mostrou indignado, antes, rapidamente uniu-se àqueles que mandaram assassinar o antigo parente e chefe.
—”Entretanto, todos silenciaram, o cel. Osorio Bueno, num assomo de coragem incomprehendida, acceitou um accordo politico com um dos mais encarniçadou [encarniçados] e perigosos adversarios do chefe assassinado. E assim, em Santa Cruz do Rio Pardo reina aquella celebre Pax de Varsovia, alicerçada no sangue e no luto.” (O Estado de S. Paulo, 14/12/1922: 10, por F. de Assis).
O hebdomadário ‘A Cidade’, apologético ao coronel que era o seu ‘dono oculto’, portanto a ele fortemente vinculado, deixou de circular em 16 de julho de 1922: — “Por um desarranjo no nosso prélo, deixou de circular domingo passado o nosso jornal, fazendo-o entretanto hoje sem prejuízo dos nossos caros leitores, que receberão novamente no proximo domingo.” (A Cidade, 26/07/1922: 2). Desculpa melhor, certamente não haveria.
Nestes acontecimentos, é preciso dizer o quanto a morte do Tonico Lista despertou velho ranço que lhe devotava a família Abreu Sodré, representante de outras tantas, prejudicadas direta ou indiretamente pelo coronel. Sim, foi tanto o ódio desperto, que em 1935 publicou-se um trabalho, apologético aos ‘felizes tempos santa-cruzenses’ quando o dr. Francisco de Paula de Abreu Sodré era o prestigioso chefe político, e, agora, uma nova política que se avizinhava nos anos de 1930, com o interessante e praticamente desconhecido trabalho ‘Santa Cruz, municipio que renasce*’:
— “Longe dos dias negros do ‘reinado’ de Tonico Lista, época cuja volta se lhe afigura como um verdadeiro pesadello, Santa Cruz do Rio Pardo pode, agora, à ombra de uma administração honesta e dedicada, caminhar confiante, para os risonhos e prósperos dias que o futuro lhe reserva.”
Os novos tempos dariam a Santa Cruz o que lhe fora ofertada pelo dr. Francisco de Paula de Abreu Sodré, o grande líder político no comando santa-cruzense entre os anos de 1901/1907, período ensejado como memorável na história do município, quando deixado para trás os tempos dos carros de bois para uma nova e dinâmica ferrovia – inaugurada em 1908, como uma muitas conquistas e a transformações no município, antes corrutela, e, com ele Sodré, transformada num progresso formidável como um dos maiores centros de exportação do Estado de São Paulo. Santa Cruz, com Abreu Sodré, conforme descrito, abandonava a corrompida e violenta política liderada pelo coronel João Baptista Botelho, no entanto, premissa interrompida pelo famanaz Tonico Lista.
Daí, um paralelo traçado entre os líderes políticos mandadores, o honesto progressista dr. Francisco de Paula de Abreu Sodré – 1901/1907 e o “descalabro administrativo” do coronel Tonico Lista, de 1907/1922, tempo marcado por desvios de recursos públicos quanto às finalidades, com ausência de “equidade e lisura na administração se reflectiam forçosamente na vida local”.
— “Effectivamente, durante annos e annos, reinou naquella cidade o mais descarado descalabro administrativo. Tonico Lista e seus sequazes transformaram os cofres públicos em propriedade particular. Não satisfeitos, contrahiam incessantemente novos empréstimos, cujo paradeiro era sempre duvidoso. Na maioria das veze eram destinados á aquisicção de terras ou de fazenda, que passavam para a propriedade do chefe ou de um de seus amigos. A vida commercial da cidade, que nos primeiros annos do novo regime [de Abreu Sodré] se apresentava tão risonha e promissora, descambava para uma estagnação desconsoladora.”
Não apenas isso, Lista também era visto, sempre de acordo com autoria – nada mais e nada menos, sanguinário, praticante de barbáries “desde o assalto, nas sombras da noite, em que o cidadão visado era moído a cacetadas até ao assassinato estúpido e repellente em plena luz do dia.”
No pretendido trabalho “Tonico Lista – a verdade dos fatos”, título provisório, que Junko e eu pretendemos publicar, evidente que a apologia feita nos escritos ‘Santa Cruz, municipio que renasce*’, em pró Abreu Sodré, será contestada, em partes onde as extrapolações ou ausências notadas e desprovidas de fundamentos, além da faceta ímproba e marcada pelas violências de Abreu Sodré no seu período de chefe político, bem como, também, os desvios de recursos públicos por ele e apaniguados, que igualmente serão revelados, à luz dos documentos.
*’Santa Cruz, municipio que renasce’ – publicação Correio de S. Paulo, 05/12/1935: 3-5.
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