O Censo de 1872, concluído em 1874 na província paulista, não identificou acatólicos na paróquia de Santa Cruz do Rio Pardo. Antigos presbiterianos diziam das primeiras famílias no lugar, e, talvez até existissem, todavia, desconsiderados pelos recenseadores que mais se embasaram nas informações da vigararia católica, no caso santa-cruzense, instalada em 1873. O Censo de 1872/1874 não foi confiável, com muitos erros documentalmente comprovados.
Para Santa Cruz são apontados presbiterianos pioneiros, de 1873/1874, Francisco Ignacio Borges e Francisco de Paula Martins Coelho, mais propriamente Francisco de Paula Martins, ambos ainda com descendentes conhecidos em Santa Cruz do Rio Pardo e região.
Fazendeiro e morador em Santa Cruz do Rio Pardo, com os familiares diretos, agregados e escravos, no início do pioneirismo local, Borges teria sido o primeiro convertido presbiteriano, por volta de 1873, com a chegada de parentes mineiros sectários da nova fé.
Documento de alienação de terras atesta que o Borges adquiriu propriedade em Santa Cruz do Rio Pardo em 1862, a fazenda Mandaguahy, conforme edital do juízo de direito de Santa Cruz do Rio Pardo citando transação datada de 29 de dezembro de 1862 (Correio do Sertão, 28/11/1903: 3).
Embora dono de terras na região santa-cruzense, Borges residia em Lençóis Paulista na década de 1860, onde o registro de batismo [católico] de sua filha Anna Carolina, aos 02 de março de 1862 (Livro Batismos 1861-1869: 33).
Somente nos anos de 1870/1880, Borges é citado morador em Santa Cruz do Rio Pardo como fazendeiro, político conservador e, em algum tempo, Juiz de Paz (Correio Paulistano, 03/10/1878; 02/10/1879: 2 e 09/03/1887: 4). Não era presbiteriano em 1887, quando do batismo, católico, de sua filha Francisca, batizada aos 22/10/1887 (Livro Eclesial, Santa Cruz do Rio Pardo, 1884/1890: 67).
Considerando batismo da filha Francisca [Ignácia Borges], no credo católico em 22 de outubro de 1887, depreende-se a conversão de Borges ao presbiterianismo ocorrida no período entre o referido batizado e o ano de 1889, pois falecido ‘antes de 1890’ (Apud Henrique Dias da Silva Junior, informando fonte Cedap/Unesp – Assis, Negócios Eleitorais), além da ciência que o mesmo não constou no rol dos eleitores santa-cruzenses inscritos para o ano de 1890, a significa-lo morto, sabendo ainda residente em Santa Cruz do Rio Pardo a sua parentela.
Francisco de Paula Martins Coelho, mais propriamente Francisco de Paula Martins, chegou a Santa Cruz, já presbiteriano, no início dos anos 1870, nomeado Subdelegado de Polícia (Almanach da Provincia de São Paulo, crônica historiográfica, 1887: 542); depois nomeado inspetor literário, em 1878 (Diário de São Paulo, 03/08/1878: 2), cargo no qual permaneceu até 1882 (Correio Paulistano, 12/04/1882: 1), sem nenhuma discriminação religiosa aparente.
No ano de 1884 o Francisco de Paula Martins é denunciado protestante, numa Carta Aberta ao Governo Imperial, de 12 de julho de 1884, assinada por Joaquim Antonio Carmillo, num claro protesto que, em detrimento a um católico, da religião oficial, admitiu-se, em cargo público de livre nomeação, um presbiteriano:
—”O vice-presidente desta heroica província acaba de confirmar quanto avançámos, escolhendo, no seio de uma população inteiramente catholica, o mais aceptico de todos os protestantes – Francisco de Paula Martins – para 3º supplente do juiz municipal e orphãos deste termo.” (Correio Paulistano, 02/08/1884: 3, Seção Livre: ‘Ao Governo Imperial – os protestantes avançam’).
Não se tem a data da conversão de Paula Martins, sabendo-o católico até 1882, considerando que não sofrera nenhuma discriminação religiosa, em 1872, quando nomeado subdelegado de polícia.
Então, exceto se oculta nova fé em seu início, a conversão de Paula Martins ocorrera, apenas, em algum tempo entre abril de 1882 a agosto de 1884.
Nos anos de 1880, com garantia histórica, alguns presbiterianos residiam no município, numa convivência atribulada com os católicos. Carta datada de 17 de dezembro de 1883 acusava o presbiterianismo local de arrebatar “jovens da religião catholica, em que foram creados, para unil-os na seita protestante!” (Correio Paulistano, 04/01/1884: 2).
— Em 1888 o reverendo Georges Anderson Lands, ministro presbiteriano local, foi a júri acusado de ter celebrado matrimônio de uma menor, sem o consentimento paterno, com um jovem protestante. O caso ganhou manchetes e o pastor protestante viu-se livre, defendido pelo renomado advogado paulista, Dr. Antonio Teixeira da Silva (Diário de Notícias, 22/01/1888: 2).
Ainda mais, notícias de 1886 informam que o filho de um presbiteriano teve ‘negação de sepultura’ no cemitério local, e foi enterrado na propriedade de Francisco de Paula Martins (Imprensa Evangélica, São Paulo, 06/02/1886, Volume XXII: 46), com ecos negativos em todo o país. O cemitério antigo ocupava terreno onde instalado a atual Fórum e adjacências.
O fazendeiro Francisco Ignácio Borges, cuja conversão após 1887 e falecido em 1889, teria sido enterrado fora do cemitério, segundo versão familiar ainda presente entre os descendentes do Borges.
Não foi bem fora do cemitério. Em verdade, desde a morte do menino em 1886, que teve negada a sepultura no cemitério católico, com ecos negativos em todo o país, arranjara-se lugar para futuros sepultamentos presbiterianos em Santa Cruz do Rio Pardo, campo segregado do cemitério católico, separado por uma cerca, lugar onde funcionou a Delegacia de Polícia, depois o 1º Distrito Policial, esquina das atuais Rua Euclides da Cunha com a Avenida Dr. Cyro de Mello Camarinha, e ali sepultado o Borges.
Tudo, porém, deixou de ser problema com a transferência do cemitério, tornado municipal, para os altos do Bairro São José, a partir de 14 de abril de 1894.
A despeito dos acontecimentos, oficialmente o presbiterianismo teve início em Santa Cruz do Rio Pardo aos 13 de agosto de 1889, com o reverendo João Ribeiro de Carvalho Braga e os ofícios religiosos realizados, ainda, nos lares.
Em 1900 o reverendo Othoniel Motta assumiu o lugar, e com os poucos fiéis na época, requisitou da câmara um local para a construção do templo, no ‘Largo da Matriz’ (Correio Paulistano, 27/10/1900: 3), bastante próximo do santuário católico, num tempo que os terrenos urbanos ainda pertenciam à Igreja Católica. A ‘Igreja Oficial’ opôs-se e a decisão camarária favorável e a medida tornada sem efeito.
Sem opções, os presbiterianos conquistaram o terreno do antigo cemitério onde sepultados os seus mortos até 1894, para a construção de seu templo religioso: “Ja está firmado o contracto para a construcção da Egreja Presbyteriana desta cidade. Grande parte do material acha-se reunido no largo do cemiterio velho, logar onde vae ser contruido o templo.” (Correio do Sertão, edição 06/09/1902).
Os membros da Igreja Presbiteriana não gostaram que seu templo fosse erguido no velho cemitério e procuraram outro local, conseguindo terreno à rua Marechal Bittencourt esquina com a rua Quintino Bocaiuva, noticiado como elegante edifício, em construção, sob a direção de Salathiel Ferreira e Sá (Correio do Sertão, 18/04/1903: 2).
Tudo parecia certo quando se agravaram as dissenções entre os líderes presbiterianos, até ‘o cisma’ de 31 de julho confirmado aos 16 de agosto 1903, com reflexos imediatos em Santa Cruz, surgindo daí a Igreja Presbiteriana Independente – IPI, com total adesão dos membros locais. O reverendo Motta, já ausente de Santa Cruz, contava entre os sete pastores do grupo independente.
Com o separatismo formou-se a Igreja Presbiteriana Independente – IPI que em Santa Cruz manteve os objetivos religiosos e em 1914 assumiu a sede construída, na qual permaneceu até a inauguração do templo atual, à rua Quintino Bocaiúva, esquina com a atual avenida dr. Cyro de Mello Camarinha, em agosto de 1950, quando da data de memoração separatista.
—A denominação Igreja Presbiteriana do Brasil – IPB, esvaziada pela cisão de 1903, construiria sua sede à Rua Joaquim Manoel de Andrade, quase três décadas depois, inaugurada em 1931.
Os religiosos católicos e presbiterianos ainda tiveram desavenças no século XX, por exemplo, em 1903, quando o vereador presidente da câmara, advogado e subdelegado dr. Fernando Eugenio Martins Ribeiro, alterego do chefe político dr. Francisco de Paula de Abreu Sodré, mandou multar o vereador e comerciante Salathiel Ferreira e Sá, presbiteriano, por ter se recusado fechar seu comércio em feriado religioso católico.
Em 1916 os presbiterianos queixavam-se das atitudes de certo frei Lourenço, coadjutor, o que motivou Paulo Cagnoto, oficial marceneiro, a denunciar o procedimento do padre contra os presbiterianos e lançar-lhe público repto para debate dos princípios religiosos cristãos (O Contemporaneo, 24/09/1916: 2). O padre Vicente Rizzi, titular na paróquia, apaziguou os ânimos.
A maior dissenção posterior, entre católicos e evangélicos em Santa Cruz ocorreu no domingo de 18 de abril de 1948, quando padres missionários em incumbência religiosa coletaram bíblias impressas por editoras evangélicas, distribuídas na cidade pelos líderes religiosos cristãos não católicos, lançando-as numa fogueira elevada para tais fins ao pé do cruzeiro, caminho para o ‘Bairro da Estação’.
O reverendo José Coelho Ferraz, da Igreja Presbiteriana Independente local, fez veementes protestos contra o ato sacrílego e insultuoso, através de publicações no informativo presbiteriano local (Chamas do Evangelho, 21/04/1948: 1-2 e 01/06/1948: 1-2).
4.1. ‘IPI’ no Bairro Ribeirão dos Cubas
Sudário Machado, vindo do Mato Grosso para o Bairro Ribeirão dos Cubas, nos anos de 1923, evangelizou primeiro o parente Antonio de Souza e, com a conversão deste, os demais parentes e vizinhos também aceitaram o presbiterianismo independente, e assim, praticamente, todos os moradores do bairro tornaram-se membros da Igreja local santa-cruzense.
O primeiro templo erguido no Cubas era de madeira, depois substituído por outro de alvenaria que subsiste até os dias atuais – referência 2013, com programação evangélica semanal.
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