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Origem de Santa Cruz do Rio Pardo – uma história mal começada

O reverendo padre João Domingos Figueira chegou ao sertão de Santa Cruz do Rio Pardo no segundo semestre do ano de 1861, após desligar-se do curato de Divinolândia-SP, onde exercera atividades religiosas no período de 03 de novembro de 1860 a 30 de junho de 1861. Adquiriu terras de Manoel Francisco Soares para nelas trabalhar através da exploração de mão-de-obra escrava.

Santa Cruz do Rio Pardo na época era um simples bairro rural, conhecido por Santa Cruz, com dezoito ou vinte moradas rústicas habitadas, próximas umas às outras no entorno de um chafariz, nas terras de Manoel Francisco Soares. Nem todos trabalhavam para o Soares, havendo ali famílias proprietárias de terras contíguas, que, em ajuntamento, mutuamente se socorriam contra os perigos de índios e feras; nas fazendas apenas os indivíduos amanhadores do sertão. 

O bairro Santa Cruz inseria-se na fazenda de igual nome, já desmembrada desde 1855 da grande gleba apossada por Soares, sem prejuízo de suas outras posses menores na região. 

—A grande posse do Soares iniciava-se no rio Turvo, na barra do ribeirão Jacutinga, rumo acima às terras do Crissiumal para descer em direção às nascentes do ribeiro do Lontra, atual Boa Vista, despassar o braço direito e acostar-se ao Pardo e rumar abaixo ao despejo do São Domingos e, pelo leito deste, subir ao manadeiro principal, achar as minas do córrego Onça e seguir o veio até seu derramo no Turvo, para, assim, dimensionadas a extensão e largueza do domínio.

 

O padre Figueira, embora não investido para o exercício religioso no lugar, tinha ambicioso projeto urbano/eclesial, convencendo Manoel Francisco Soares a doar em torno de cem alqueires de terras para o patrimônio da Santa Cruz, desde a confluência do rio Pardo com o ribeirão São Domingos, e, por este a subir até onde o valo divisório do patrimônio em direção ao Pardo. Conquistado o intento, Figueira, a valer-se de seus escravizados e colaborações de trabalhadores livres, mandou derrubar a mata, fazer o rossio e construir o primeiro templo cristão, desta maneira, a tornar Santa Cruz apta para o seu reconhecimento como Capela. 

Pintura do artista Acácio Gonçalves representando o Padre Figueira/Acervo Celso e Junko Sato Prado

 

O ativismo do padre Figueira, no entanto, atraiu rivalidade do padre Andrea Barra, vigário em São João de Domingos e capelão nos povoados surgentes nas dimensões da primeira vigararia sertaneja, entre os quais o Bairro Santa Cruz. Os padres inimizaram-se; o Barra, considerando Figueira intruso em seus domínios, não lhe outorgou licença para ministrar os sacramentos da Igreja, e o Figueira a acusá-lo de impolítico e mercenário, que, a não ser por grande soma em dinheiro, se recusava receber Santa Cruz como Capela, não dar bênçãos ao cemitério cristão e nem benzer o templo religioso, assim, consequentemente, nele não se podia realizar ofícios sacros, obrigando famílias de fiéis se dirigirem até São João de São Domingos, “quatorze léguas distantes”, por difícil caminho. 

Mas, Santa Cruz estava pronta para o seu reconhecimento pela Igreja, na condição de Capela, a bastar a escritura do doador, por liberalidade, transferindo o bem doado para a Diocese de São Paulo para a obtenção da Carta de Provisão, quando o alerta ao Manoel Francisco Soares, que o padre João Domingos Figueira em nada representava a Igreja no sertão santa-cruzense, cujo encargo estava nas mãos do padre Andrea Barra, fato confirmado pela vigairaria capitular de Botucatu.

Soares sentiu-se traído pelo padre Figueira e houve dissensões entre eles, envolvendo a paróquia de São João de São Domingos e a vigararia capitular de Botucatu, chegando as altercações ao arbítrio do bispado diocesano paulista, cuja decisão foi retirar o Figueira de Santa Cruz nomeando-o, ex officio, para exercer as funções paroquiais em Bonsucesso, atual Caconde, sob pena de cassação do seu registro sacerdotal caso não acatasse a ordem. A contragosto, padre Figueira deixou Santa Cruz do Rio Pardo com destino a Caconde, acompanhado de alguns de seus escravos.

Provavelmente no ano de 1862 padre Figueira escreveu a primeira carta ao bispado diocesano de São Paulo, sobre Santa Cruz do Rio Pardo, dos cem alqueires de terras doados ao patrimônio, sem revelar quem fizera a doação, optando dizer mais do povoado, descrever o templo religioso que ele fizera levantar, falar do rossio e das condições do cemitério, a ressaltar Santa Cruz lugar salubre com boas fontes de água, lugar e de futuro afortunado, grande fluência de público, e que ele, ali, quisera ficar. Não se esquivou em atacar o padre Barra. 

Enquanto o Figueira lá em Bonsucesso com suas mágoas, a Câmara Municipal de Botucatu, em sessão ordinária realizada no domingo de 23 de novembro de 1862, aprovava e encaminhava relatório municipal ao governo provincial paulista informando, entre outros assuntos de interesses, que Santa Cruz do Rio Pardo possuía templo religioso decente erigido à custa dos fiéis, conhecimento sem dúvidas repassado pela vigararia capitular botucatuense, de grande força e atuação política, com isso o reconhecimento oficial do lugar como Capela, assim identificada uma unidade territorial administrada pela Igreja, descentralizada, que melhor pudesse atender a população.

Aos 25 de novembro de 1862, o padre Andrea Barra dirigia-se a Santa Cruz para as celebrações e bençãos religiosas, enfim, a classificar o lugar como Capela nos primeiros assentos eclesiais, sem revelar a existência ou não da escritura de doação patrimonial por Manoel Francisco Soares. Nada perguntado, o bispado diocesano de São Paulo não se opôs às manobras do vigário de São João de São Domingos com a vigararia capitular de Botucatu.

Figueira não se conteve. No ano de 1864, mês de fevereiro, enviou nova carta ao bispado paulista comunicando que abandonaria a paróquia de Bonsucesso – Caconde, e retornaria a Santa Cruz do Rio Pardo, com os seus escravos, para cuidar da sua fazenda, e, assim o fez, que o clero tomasse qual decisão fosse, todavia, se colocando à disposição para lá exercer suas funções clericais. Desta feita, Figueira recolheu-se ao silêncio aparente, em sua fazenda, a não se envolver com a administração da Igreja em Santa Cruz, ignorando o padre Barra, e, abertamente, não reconciliado com o Soares. Com o retorno o padre Figueira fez chegar a Santa Cruz algumas famílias de posses para assentamentos na região.

Santa Cruz prosperava; em 1867, criava-se nela a subdelegacia de polícia pela Secretaria da Polícia do Governo Provincial, localidade então oficialmente elevada a Distrito Policial. Ganharia impulso maior em 1870 com a chegada de Joaquim Manoel de Andrade, que deixara São João de São Domingos para se instalar em Santa Cruz do Rio Pardo e ser o homem mais rico do lugar; também a chegança do deputado provincial eleito, Emygdio José da Piedade. 

Foto atribuída a Joaquim Manoel de Andrade/Acervo Celso e Junko Sato Prado

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