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Santa Cruz do Rio Pardo: As religiões do povo

 

No sertão santa-cruzense praticava-se o catolicismo popular trazido pelos portugueses pobres desde os tempos do Brasil Colônia, misturando-se com os cultos afro-ameríndios e depois com o misticismo oriental indochinês também introduzido pelos portugueses.

As escassez de padres no sertão, e as distâncias e dificuldades dos caminhos faziam prosperar o catolicismo popular em detrimento ao oficial, então reservado para as grandes festas quando das visitas do capelão nos batizados e casamentos. Bastante comum as visitas de leigos rezadores autointitulados freis, homens ditos milagreiros e porta-vozes de santos populares, dotados de um misticismo arrebatador, às vezes político, que até preocupavam governos.

Alguns cultos acatólicos, além do presbiterianismo, tiveram presenças em Santa Cruz do Rio Pardo

  1. O Kardecismo 

O Kardecismo no Vale do Pardo assim como de todo o Paranapanema assumiu notoriedade a partir de 1886, visto como ciência e filosofia e não apenas religião, com sessões praticadas e frequentadas por notórios da sociedade, intelectuais e entendidos – ‘pesquisadores autodidatas’, além dos apenas simpatizantes, curiosos por fenomenologias e contatos com o além-túmulo. 

Empolgava, como culto mediúnico, a faculdade de comunicação com os espíritos de falecidos ou dos mentores – espíritos evoluídos, permitindo-lhes passagens e manifestos através de fenômenos ‘incorporativos’, e outras apresentações, pela escrita psicográfica, visão, percepção, formas ectoplásmicas, manifestos físicos e psicológicos, diretos e indiretos, sempre pela atuação ou disponibilidade humana em estados consciente, semi ou inconsciente.

 O espiritismo no sertão era algo próprio dos intelectuais, brancos e ricos, extremamente racista, e até os ditos espíritos dos negros e indígenas não podiam manifestar-se à mesa, posto considerados não evoluídos espiritualmente, incultos e obsessores.  

Descendentes já idosos nos anos 1960/1970, contavam das sessões espíritas frequentadas por seus pais e avós, cujas manifestações de entidades espirituais nos passistas indicavam os males e possíveis curas, espécie de ‘aloscopia’, ou manifestantes nos próprios pacientes relatando onde instaladas as moléstias, ou seja, a ‘autoscopia’. 

Os espíritas santa-cruzenses desde os últimos anos do século XIX até as décadas de 1920/1930, muito mais que religiosidade visavam fenomenologias; as sessões eram domésticas e restritas, típicas do denominado espiritismo científico, com estudos das fenomenologias à luz da Metapsíquica. 

A popularização do kardecismo como religião aconteceu com um grupo de abnegados sob lideranças de Argemiro Orestes da Silveira e Pedro de Almeida Gonçalves [Pedro Caco], com importantes nomes entre os frequentadores, a exemplos de Nelson Fleury Moraes, José Garcia, Felipe Zied, Sebastião Correa de Moraes e Augusto [Augustinho] Alóe. As mulheres Jacyra [Jacira] Ferreira de [e] Sá e depois Hilda Fonseca, foram destaques com grupos de senhoras espíritas voltadas à caridade. Jacira mantinha trabalhos em sua residência e foi doadora de terreno para a construção de um centro na Vila Saul, permutado com a municipalidade, onde se encontra (2016) a Escola Zilda Comegno Monte. 

Inicialmente os espíritas santa-cruzenses foram unidos, vistos na União Espírita Santa Cruz, fundada em 19 de novembro 1950, de breve duração, e na dissidência, duas casas firmadas, o Jesus e Maria e o Alan Kardec.  

Reconhecidamente altruísta e de obras caritativas, o espiritismo em Santa Cruz, no seu início, sofreu perseguições religiosas, o templo alvo de apedrejamentos e seus membros discriminados socialmente. 

 

  1. Cultos de raízes afro-ameríndias 

Os manifestos mediúnicos no kardecismo não eram diferentes daqueles praticados pelos negros no sertão, antes de 1870, quando aconteciam práticas religiosas advindas da mistura do catolicismo, com o feiticismo afro e crenças nativas, práticas evoluídas das sessões ‘Calundu’, no ritual ‘cabula’, originariamente dos bantos e absorvidos por outros afros, afrodescendentes e afro-brasileiros, que trouxeram o culto para as regiões do atual sudeste brasileiro, incluso o sertão paulista da época. 

Os indígenas livres que antes da invasão sertaneja mantinham seus ritos totêmicos, animistas e de pajelança, com características tribais próprias, quando dominados e postos em aldeamentos ou moradores em fazendas, suas práticas religiosas fundiram-se com as dos negros e do catolicismo popular. 

O Candomblé e a Umbanda somente foram notados como religião em Santa Cruz do Rio Pardo nos anos de 1960, contudo não resistindo às perseguições, sobrevivendo através de cultos domésticos, com ritos mistos ou inventados conforme seus dirigentes.   

 

  1. Os fanáticos ou exaltados 

Santa Cruz foi palco, no final do século XIX, de religiosos místicos, como típico catolicismo popular, centrados no pessoalismo do líder e de reivindicação política ou restauração do império – monarquia. 

Destacaram-se Francisco Izabel ou Francisco Catirina, conhecido como ‘Frei Manoel’, morto em 1892, e seu substituto Francisco Garcia, o ‘Chico Gago’, autointitulado como o ‘São Sebastião’ – redivivo, ou ‘Missionário de Cristo’, à frente do grupo ‘Contingente da Reação’ e, igual ao antecessor, seguido por multidão e velado apoio dos ricos, sendo o seu grupo também caçado e desmantelado em 1893. 

A sede dos fanáticos situava-se à beira do Turvo, na outrora Água do Beato.

 

  1. Cultos Sincretismos 

Os escravos e libertos tinham liberdade de cultos próprios em sua sede, no denominado Largo do Rosário, hoje Praça Octaviano Botelho de Souza. Pelas memórias seria uma fusão de cultos mediúnicos afro-brasileiros com divindades africanas representadas nos santos católicos, vista por alguns como variante do Candomblé, por outros como cultos mediúnicos de raiz, ou, na visão dos kardecistas, como atos e manifestos do baixo espiritismo. 

As práticas sincréticas observadas em Santa Cruz, desde os primeiros anos do século 20, caracterizavam-se ‘cultos mistos’, ou seja, com cerimoniais individualizados e centrados no conhecimento, vontade, personalidade e inspiração do chefe religioso, sem qualquer uniformidade de ritos, embora os líderes, a partir de meados de 1900, identificados com o Candomblé ou a Umbanda. 

Uma mulher, sob a alcunha de ‘Chumbeada’, foi a primeira pessoa referenciada na prática condenável do baixo espiritismo em Santa Cruz. Perseguida pela polícia e com ordem de prisão, por curandeirismo, ‘Chumbeada’ pôs-se em fuga (Correio do Sertão, 01/11/1902: 2). 

O afrodescendente José Dias de Melo, também conhecido por José Bezerra ou Zé Dias, oriundo do Estado do Rio de Janeiro chegou na região do Paranapanema nos anos de 1930, com passagens por Piraju, Bernardino de Campos e Santa Cruz do Rio Pardo, onde residiu no Distrito de Caporanga [Monte Belo]. 

Considerado o maior de todos os chefes de cultos de raiz na região – seu nome virou lenda, sempre acossado pela polícia, anatematizado pelas denominações cristãs e injuriado pela imprensa.  

O hebdomadário A Cidade (14/01/1954: 2 e 4) dedicou-lhe extensa reportagem, intitulada Curandeirismo, juntando testemunhos negativos e críticas às autoridades que não conseguiam prendê-lo. Zé Dias tinha policiais entre seus seguidores e gozava de prestígios nos mais diversos segmentos da sociedade; morreu no início dos anos de 1980, em Bernardino de Campos.  

O médium curador João Giardulo ou Ciardulo, acusado de embusteiro, foi perseguido e preso pelo Delegado Antonio Catalano (A Cidade, 21/11/1943: 4).  

Nos anos seguintes se destacaram, os praticantes que, embora federados, praticavam cultos mistos sob estranha auto-identificação: ‘Umbanda por fora Candomblé por dentro’.  

Pelas memórias, uma fusão de cultos mediúnicos afro-brasileiros com divindades africanas representadas nos santos católicos, vista por alguns como variante do Candomblé, por outros como cultos de raiz, ou, na visão dos kardecistas, atos e manifestos do baixo espiritismo.

  1. Benzedores e benzedoras

Em Santa Cruz desde o século XIX muito se ouve dizer dos benzedores e benzedoras, praticantes do catolicismo popular, praticada por leigos que se sentiam chamados ou obrigacionados às práticas em aliviar sofrimentos e dores alheias, principalmente de crianças e idosos, através de gestos, sinais, passes mágicos e imposições de mãos, com ou sem alguma erva molhada em água sacra ou perfumada, além de incensos e velas.

Quase sempre tais vocacionados associavam a arte em benzer com algum tipo de crença religiosa: católica, afro-ameríndia – a mais comumente, espírita ou simplesmente de invocação, além de alguns típicos curandeiros, manipuladores de beberagens – os chás de raízes ou ‘garrafadas’. 

Muitos foram os praticantes conhecidos em Santa Cruz, difícil nominá-los todos sem o risco de esquecer algum nome, mas, todos bem representados na pessoa e aura de Rita Generoza de Andrade, a mais famosa benzedeira santa-cruzense, mulher que trazia no corpo as chagas do Mal de Hansen, e, ainda assim, à distância benzia e aconselhava a todos aqueles que a procuravam em vida e ainda hoje, espiritualmente, em rezas, mulher considerada santa popular.

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Contato: pradocel@gmail.com

Consulte nossos trabalhos: https://historiasantacruzdoriopardo.blogspot.com

 

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