O ano era 1978/79 e eu tinha doze ou treze anos. Até no ano anterior eu ainda vivia de cabelos rebeldes, tocava surdo na fanfarra do Maria José Rios e chorava a morte do meu ídolo Elvis Presley em agosto do ano anterior, nada preocupada em parecer arrumadinha ou vaidosa. O pouco que tinha de cuidados comigo mesma eram recomendações da minha mãe ou das minhas irmãs mais velhas:
-Se não puser sutiã, não vai pra rua.
-Se não pentear o cabelo, não vai pra rua.
-Se não trocar de roupa, não vai pra rua.
E a rua, para quem vive a infância numa cidade como Santa Cruz do Rio Pardo é um lugar completo, imperdível, irresistível: os amigos, as brincadeiras, as brigas… Tudo estava na rua e não se sabia de perigo na rua. Na rua eu encontrava o Glauber e a Andrea, a Rita, a Lu de cima e a Lu de baixo, a Mara, a Marcinha… E passava a boiada e a charrete e na esquina o caminhão de cana sempre deixava um rastro de cana que a gente saía correndo atrás para pegar. Literalmente chupar cana e assobiar ao mesmo tempo. Porque na rua essa mágica era possível. Tínhamos tempo.
Mas aí veio a adolescência e me atrapalhou muito no meu plano de passar toda a minha existência na rua. Ou cumprir os protocolos exigidos ou nada de rua: sutiã, cabelo em ordem, roupa idem. Unhas sem terra embaixo. Nariz assoado. Vocabulário limpo. Na escola eu não dei esse trabalho porque sempre fui “cdf”.
É nesse ponto em que começo a explicar a você meu ilustre e paciente leitor, a razão do título acima: Grease. Não. Eu não lancei mão da brilhantina para alinhar os meus revoltosos cachos. A grande transformação foi na minha cabeça, mas lá no fundo, na mente, no pensamento, na forma de interpretar e de compreender a fase que estava vivendo: a minha adolescência. Depois de ver o filme eu quis ser mais feminina, quis parecer mais feminina, mais delicada, uma Sandy. A Sandy de Olivia Newton-John, aquela que fez Danny se arrepender de ser um menino indiferente e “aproveitador”.
Agora a minha mãe não precisava mais me dizer faça isso ou aquilo, era só copiar a Sandy, falar como a Sandy, andar como a Sandy, sofrer como a Sandy… Sandy era para mim a epítome de tudo que eu deveria ser, ter e parecer: o cabelo, a maquiagem, os gestos, as roupas… (e o John Travolta- segredo)
O Cine São Pedro viu toda a moçada da cidade dançando nas cadeiras: éramos Sandy e Danny, éramos as Pink Ladies e os T-birds, divididos e unidos em nossas ânsias de ser e de pertencer, de nos parecer, de nos apropriar daquela magia, daquela realidade tão fantástica e tão distante da nossa, no tempo e no espaço.
O filme termina como o conto de fadas que verdadeiramente é: o amor vence, os bons se dão bem, os maus se dão mal.
Agora a fada se foi. Transmutou-se.
Agora, Danny, eu estou velha demais para ser sua namorada, a minha coluna não me permite mais dançar como dançava antigamente e o meu marido é ciumento.
Obrigada pelo seu sorriso, Olivia NJ!
Obrigada por me ensinar a ser menina, Sandy!
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