Não se sabe exatamente quando nem onde o nortista Francisco Izabel, tido desertor da Armada [Marinha] ou do Exército, ‘recebeu o chamado divino’ para o ministério da clara e da salvação, pois que ele já surge em Santa Cruz do Rio Pardo autointitulado ‘Frei Manoel’ e pregador pronto, por volta de 1890, para conquistar o sertão Paranapanema adiante. Teria vindo dos lados do Paraná, primeiro em Piraju, para anunciar o fim dos tempos, a separação do trigo do joio, e o estabelecimento do reino divino na terra (Amador Nogueira Cobra, Em um Recanto do Sertão Paulista, 1923: 108).
O literato e promotor público dr. Valdomiro Silveira, que exerceu a função pública em Santa Cruz, entre os anos de 1895/1898, informou que ‘Frei Manoel’ residira por anos em Botucatu, na região de Araquá, onde conhecido como Joaquim Catirina (Valdomiro Silveira, Eu no Sertão, apud Suplemento Leitura, DOSP, ano I nº 7, dezembro de 1982: 8-9).
Ainda, de acordo com Silveira, Catirina chegou a Santa Cruz à procura de um sobrinho que teria sido agregado ao lar do capitão Galdino Carlos da Silveira. Catirina impressionou o capitão Galdino, Escrivão de Órfãos em Santa Cruz (Almanach da Provincia de São Paulo 1886: 479).
Não tardou e o místico assentou-se no Ribeirão Grande, onde outrora a Fazenda do padre João Domingos Figueira, demandando com herdeiros e sucessores, para daí ganhar o sertão adiante, São Pedro do Turvo e Campos Novos Paulista, sempre cercado de multidão, com centenas ou, talvez exageradamente, até mil e seiscentos seguidores segundo o promotor Silveira. Comumente, dizia-se, ‘cerca de quinhentas pessoas’, não mais.
O engenheiro e autor Bruno Giovannetti (Esboço Histórico da Alta Sorocabana, 1943: 77-81), apresentou-o como homem de estatura mediana, cabelos encrespados, barba hirta e negra a cobrir-lhe o rosto saliente e precocemente enrugado; trajava-se de longa túnica sobre roupas comuns, valia-se de um velho chapéu esverdeado [pelo tempo de uso] e calçava alpercatas. Fumante, os fiéis disputavam as pontas de cigarro que tocavam os ditos lábios santos.
Percorreu regiões de Piraju, Avaré, Santa Cruz do Rio Pardo, São Pedro do Turvo e Campos Novos Paulista, onde o conhecido fazendeiro Manoel José de Jesus lhe ofereceu lugar para abarracamento, com seus seguidores, à margem direita do Rio Novo, bem próximo do povoado.
Dentre os acompanhantes e admiradores de ‘Frei Manoel’, em Campos Novos, Amador Nogueira Cobra, às páginas 108-109 de seu trabalho, menciona certo jovem culto, a tratar-se do dr. Barros, cuja identidade ainda não localizada no sertão:
“(…) formado pela Faculdade de Direito de S. Paulo. Moço eloqüente, promotor público da comarca, tomava a palavra freqüentemente e dirigia-se aos circumstantes que em torno do abarracamento se reuniam a ver o frei. Mostrava quaes as virtudes deste, seu dom de prophecia e, sobre tudo, o poder de tornar o corpo de mortal invulnerável às armas de fogo, de corte.”
As pregações de ‘Frei Manoel’ eram vibrantes, convincentes e seguidos de admiradores empolgados e em números crescentes, extasiados pelas palavras do santo, seus vaticínios e demonstrações físicas de homem ungido, contra quem nenhum malefício podia atingir.
Giovannetti disse que ‘Frei Manoel’ conquistava corações dos humildes, impressionava aqueles que o ouviam e quando alguém o encontrava nalguma caminhada dizia “Eu temo o Deus que passa!” (1943: 78).
O progresso do místico foi rápido demais, já vinham gentes de outros rincões atraídos pelo sucesso do santo, em suas palestras abertas geralmente depois de entrar às virgens, num compartimento fechado, somente permitido aos iniciados, certamente ele só e as jovens consagradas. E assim, ‘Frei Manoel’ em pouco tempo ganhou tantos adeptos, separou famílias, adquiriu riquezas doadas pelos fiéis, mas cometeu o erro de permanecer no local maior período que o necessário, subestimando a inteligência de todos e a capacidade de percepção do homem do sertão.
Muitos deixaram suas propriedades para seguir ‘o santo’. Para Giovannetti, em mencionada obra, páginas 79:
“A lenda do fantástico homem ultrapassava os limites da antiga Vila de Campos Novos, e espalhava-se em Salto Grande, Platina, Conceição de Monte Alegre, até aos últimos moradores de Anhumas e Jaguaretê. Os fanáticos cresciam (…). A Fazenda Manoel José transformou-se numa verdadeira Meca.”
Nogueira Cobra, obra citada – páginas 113, descreveu o frei como embusteiro, autor de falsos milagres dados aos seguidores, como o anúncio do apagar momentâneo do sol, de fechar o corpo contra armas brancas e de fogo, imunidade às moléstias e promoções de curas.
O ‘autodenominado frei’ certamente tinha conhecimento prévio de eclipse solar, sabia fazer munição de festim e habilidade em manusear navalha parecendo passar a lâmina afiada pelo corpo, seu o de algum assistente, sem perigos de danos. Também aparentava conhecer o empirismo médico e trazia consigo sempre o herbário para diagnosticar as principais doenças e promover as curas.
‘Frei Manoel’, tinha suas virgens consagradas com as quais mantinha, na qualidade de ungido, deveres sexuais para o sucesso da comunidade, ritos em contatar os espirituais, imunizações contra enfermidades ou fechamentos de corpos. Uma das virgens traria ao sertão o ‘filho daquele deus’.
Observadores não adeptos se intrigavam que o ‘frei’ fazia pregações, curas e demonstrações de poder, em público, mas fechamentos de corpo ou imunizações a doenças, etc, apenas em particular com a pessoa interessada, homem ou mulher, para responsos e rituais secretos.
As mirabolâncias políticas de ‘Frei Manoel’ chamavam atenções do governo, pelos seus discursos revolucionários, poder de convencimento, desobediência civil e práticas subversivas; o ‘frei’ era monarquista declarado. ‘Frei Manoel’ era notícia em jornais e já sob a mira do governo de São Paulo, para a sua prisão libertação dos fanatizados (Correio Paulistano 24/05/1892).
Também as práticas religiosas causam problemas ao ‘frei’ em Campos Novos do Paranapanema. Ocorrera, diziam, o desvirtuamento de uma jovem, filha de um poderoso do lugar ou a ele aliado, prometida em casamento ao jovem advogado Affonso Gonçalves Fraga, que, na perda da noiva, instigara um grupo de homens contra o ‘falso profeta’, aliando-se ao chefe político campos-novense, coronel Francisco Sanches de Figueiredo, no plano de combate.
Se por alguma alguma denúncia de maior peso, não se sabe, o Ministro da Guerra em telegrama ao governo paulista determinou providências, e, o 7º Batalhão do Estado seguiu da Capital com destino a São Pedro do Turvo, para restabelecimento da ordem perturbada “por um pseudo missionário que, explorando a religião, tem fanatisado cerca de quinhentas pessoas” (Correio Paulistano, 26/05/1892: 1).
Na mesma reportagem o Correio Paulistano informava, “esse missionário não passa de um cigano disfarçado em capuchinho e que tem commettido os mais abominaveis crimes naquella localidade”. Um alarmante preconceito contra o povo cigano.
O Governo do Estado alertado do que se passava na região de Campos Novos, urgente encaminhou vinte soldados sob comando de um tenente José Ricardo (Rios, Coronel Tonico Lista – o perfil de uma época, 2004: 21), para a captura ou morte de ‘Frei Manoel’ e seus asseclas, e dispersamento dos fanáticos.
O ‘frei’ percebeu que o perigo lhe rondava e, cercado dos seus mais próximos, retirou-se de Campos Novos numa fuga improvisada para São Pedro do Turvo, porém encontrou civis armados que vinham ao seu encontro sem tempo de reagir nem se embrenhar mata adentro, morto por um ou vários tiros certeiro de carabina.
O batalhão policial vindo da Capital, para a captura ou eliminação do ‘santo’, pernoitou em Santa Cruz aos dez de junho de 1892, de onde partiriam na manhã seguinte para São Pedro do Turvo, com a missão de capturar o frei. Nessa mesma noite de dez de junho, o então jovem Antonio Evangelista da Silva, o futuro Coronel Tonico Lista, desaviu-se com dois soldados daquele batalhão e matou um e feriu gravemente outro na zona do meretrício, que também viria a óbito. Os acontecimentos determinaram a busca do assassino, corre-corres, acertos e fuga, e o batalhão não seguiu rumo a São Pedro, no dia seguinte, sabendo já morto o ‘Frei Manoel’.
Destoante ou não, o promotor e literato Valdomiro Silveira, deu conta que ‘Frei Manoel’ foi surpreendido por policiais e bate paus, numa tosca residência, e ali mesmo morto e seus principais auxiliares, entre eles Francisco Garcia – o Chico Gago – autodenominado São Sebastião, presos e condenados pelo Tribunal do Juri, e então escoltados para a Capital:
—”[E] estiveram dias na penitenciária, donde fugiram facilmente. E São Sebastião, que por ultimo foi condenado e um pouco depois remetido para São Paulo, esse nem chegou a meio caminho: subverteu-se no Turvo, alta noite, escapando aos soldados que o vinham conduzindo, embora a noite fosse escura por demais e o rio crescesse de monte a monte…” (Valdomiro Silveira, op.cit, 07/12/ 1982: 8-9).
O Correio Paulistano (12/06/1892: 1) noticiou a morte de Frei Manoel:
“São Pedro do Turvo”
A respeito dos factos gravissimos que se deram naquella localidade e que foram provocados por um supposto frade, sabemos ter sido o mesmo victimado pelo povo que desde muito havia sido ludibriado em suas crenças religiosas e escandálisado pelos crimes commettidos pelo falso missionario.
Seu companheiro de apostolado, o celebre Dr. Barros, conseguiu fugir á vindicta popular”.
Pesquisas continuam: ainda não se sabe a identidade do dr. Barros, se apenas uma figura mítica no bando do ‘Frei Manoel’.
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