O padre João Domingos Figueira tem o seu nome lançado em antigos documentos, como o cofundador e primeiro vigário santa-cruzense-do-rio-pardo.
Figueira, português, nascido aos 14 de abril de 1810, na Freguesia do Estreito de Nossa Senhora da Graça de Câmara dos Lobos, filho de João Domingos Figueira e Maria de Faria.
Vocacionado para o sacerdócio, Figueira iniciou curso no Seminário Católico de Funchal, em 1824, sem conclusão, egresso em 1833, deixando Portugal para residir no Brasil, onde concluiu os estudos para receber ordens sacras.
João Domingos Figueira foi pároco nomeado, a pedido da população, para Cabo Verde – MG, a contar de 1º de outubro de 1839.
O reverendo padre Ignácio Ribeiro do Prado e Siqueira, em alguns assentos de batizados em Cabo Verde-MG, atesta batizador o padre João Domingos Figueira, a partir de 1835. Concursado padre Figueira foi nomeado Vigário Colado para a Igreja de Cabo Verde. ‘Padre Colado’, grosso modo, tinha a mesma condição de funcionário público, recebendo do cofre público.
Aos 23 de agosto de 1845, o padre Figueira pediu renúncia do cargo, em Cabo Verde, quando ameaçado de morte, esclarecimentos da causa real. O requerimento não prosperou ou aconteceu algo acordado entre as partes, até 1858, quando novo pedido do padre, reclamando de perseguição na paróquia de Cabo Verde, desta feita solicitação aceita pelo ‘Bispado de São Paulo’ e publicada pelo Governo da Província de Minas Gerais (Correio Official de Minas, 29/03/1858: 1-2), e Figueira perdeu sua condição de vigário colado, daí um hiato em sua biografia entre 30 de março de 1858 a 02 de novembro de 1860.
Entre 03 de novembro de 1860 a 30 de junho de 1861, comprovadamente, o padre Figueira encontrava-se em Divinolândia – Capela Rio do Peixe, no exercício de atividades religiosas como ‘cura’ (Records Preservation – Livro de Matrimônios – Caconde, 1857/1891: 670-678). Por ‘Cura’ entende-se o padre responsável por um ‘Curato’, ou seja, uma ‘Capela’ já em condições para se tornar Paróquia.
Ainda 1861, Figueira mudou-se para Santa Cruz do Rio Pardo, “Comprando uma grande fazenda no Rio Pardo foi cultival-a, deixando de parochiar.” (A Reforma, 19/12/1878: 2), adquirida de Manoel Francisco Soares, no ano de 1861.
Aos de 02 de julho de 1873 num expediente ao governo paulista, Figueira confirmaria sua presença na região desde 1861, “conhecedor destes lugares, onde habito á doze anos” (ALESP, EE 73_27.1).
O jornal ‘Progresso de Tathuy’, de 12/12/1878, descreveu a participação do Padre Figueira na origem do lugar: “Foi elle quem mandou derrubar a matta, onde hoje é a villa de Santa Cruz do Rio Pardo, e mandou ahi fazer-se a primeira roça.” (In A Reforma, 19/12/1878: 2).
O ativismo de Figueira atraiu rivalidade do Padre Andrea Barra, Vigário em São Domingos. Os padres desavieram-se e, por carta ao Bispado de São Paulo. Figueira comunicou e denunciou:
—”Os habitantes de Santa Cruz do Rio-Pardo filial de Sam Domingos termo de Botucatu, encarregando-me como seu procurador. Dois anos habitei entre elles, neste tempo erigio-se huma capella mór com presbiteryo, altar sacraico, throno retabulo, forrada, assoalhada, com corredores dos lados o mesmo e sachristia. O patrimonio doado tem sem [sic] alqueires, mais ou menos, terreno proprio para grande povoação, agua pelo alto com abundancia, apresenta este logar um futuro risonho. A afluencia de povo de todas as partes é immensa. As divisas combinadas com os moradores, e as mais apropriadas devem ser: Principiando na foz do rio Pardo com o Paranapanema, subindo este até frontiar em linha reta com o ribeiro Santa Clara, descendo este a entrar no Turvo, descendo este athe onde principiou a divisa.
Esta Capella dista de S. Domingos quatorse leguas, o vigario bastante inpolitico negou-me todas as licenças para baptisados e casamentos, talves julgando que o privaria de seus emulumentos. Estes habitantes tendo entre si um padre vio-se na dura necessidade, com incommodos innauditos hirem para S. Domingos e dispesas imcompativeis, subscrivendo cotas para o vigario ir, ao lugar, e assim mesmo, não hia se não por, contribuição espantoza, como fosse a benção do cemiterio q. exigio oitenta mil reis dizendo que era a licença, quando a provisão q tenho de cemiterio para minha fazenda importou hum mil duzentos e oitenta.
Senhor esta capella não foi benta e para esse fim requeiro a V. Ex. faculdade para mim ou outro sacerdote de confiança sua. Assim mais a ereção de pia Baptismal. V. Ex. que em todos os actos de sua sublime administração tem apresentado amor paternal, caridade, e desinteresse. Eu em nome daquellas ovelhas submissas do seu grandioso rebanho supplicamos serem atendidas.
Eu, e aquelles ficamos rogando a Deos pela conservação de sua vida apreciavel para ingrandecimento das almas por isso.
Ilegivel-.” (ACMSP, Documentos Diversos para Santa Cruz do Rio Pardo).
A carta, documento inédito, revela entrelinhas o desejo de Figueira assumir as funções sacerdotais em Santa Cruz. no entanto negocia sua nomeação para a freguesia Nossa Senhora da Conceição do Bom Sucesso, atual Caconde. Ofício da Presidência da Província de São Paulo ao Bispado de São Paulo revela os acontecimentos:
—”Ao exm. bispo diocesano – Passo ás mãos de v.ex. o incluso officio em que o padre João Domingos Figueira dá parte de achar-se a freguezia do Bom Successo desprovida de parocho para que v.ex. se digne tomar este objecto na consideração, que julgar conveniente.” (Correio Paulistano, 16/04 1863: 3).
Padre Figueira conseguiu nomeação para o lugar, como Vigário Encomendado (Reltório do Governo de SãoPaulo, 1863/1864: 40 – Mapa S/N; RG, U 1005, 1864/865: 8-9), em setembro de 1863, e por lá permaneceu quase nada, assim revela outra carta do padre ao Bispado de São Paulo, datada de 13 de fevereiro de 1864, solicitando demissão, e queria mesmo Santa Cruz do Rio Pardo:
—”Com magoa levo ao conhecimento de S.Ex.Rev. o que se tem passado neste infeliz lugar há 6 mezes. Convidarão-me para vir ao lugar e fazer meus contratos, estive hum mez … -me a que fizesse minha mudança, propuz condições acceitarão, e um lugar onde empregasse os cativos, tudo foi franqueado; porem a peçonha do Hydra estava encerrada nas viceras do depravado que me convidou para este lugar por nome Fernando, este homem é quem afiançava, porem logo q. aqui cheguei portou-se diferente, negando-se ao seu lado, só passado tres mezes, depois de varios desgostos afiançou porem a 10 de Fevereiro quando completava seis mezes … que os parias não querião mais minha continuação como vigario: não podem elles justificar faltas só sim a 10 de Fevereiro não dei cinca porque não achei palma benta no lugar que elles chamão Igreja, não achei theribulo, no acto … … não havia vinho pa. a Missa, e no dia dois … . No dia dois de Novembro p.p. tambem esse senhor feudal sentio-se porque não o esperei e … quando quisesse … são as faltas q. elles o ligão. Em vista do acontecido tenho de regressar para minha fazenda em Sta. Cruz do Rio Pardo, onde fico esperando as determinações de V.Ex. dirigindo-se p. Botucatu. Ainda que quizesse continuar-se pelos emulumentos estes são tão limitados que não dá para o café, Missas neste lugar não há, tudo he mizeria.
V.Ex.Rº atendendo ao expendido asseitará minha dimessão, não me nego a servir a Deos e á Igreja, e em Sta. Cruz existe uma nova povoação cujo povo bem dedicado ao servisso de Deos e da Igreja com minha estada de dois annos fosse uma Capella môr, forrada, assoalhada, com Prezbiterio, altar, trono, sacrario, e retabulo. O patrimonio doado é de 100 alqueires já conta com 18 a 20 fogões no arraial. A afluencia do povo é imensa.
Deos G. a V.Ex. Revª – muitos annos. Bom Sucesso – 13 de Fevereiro de 1864.
O V. João Domingos Figueira” (ACMSP, Documentos Diversos para Santa Cruz do Rio Pardo).
A carta desabafo diz muito de Santa Cruz, para onde Figueira retornou à vida de fazendeiro, e, a despeito dos seus entreveros com o vigário Andrea Barra, realizou alguns ofícios religiosos, revela-os o forâneo Padre Bartholomeu Comenale, em 1893:
—”(…) no anno de 1867, nesta Matriz, o Revdo. Pde João Domingos Figueira baptizou José, de poucos dias, filho legítimo de Francisco Theodoro de Souza e Maria Magdalena de São José, foram padrinhos José Botelho de Souza e Lina Honória de São José.” (Eclesial, SCR. Pardo, 1873/1896; 150).
Aparentemente Padre Figueira não demonstrou nenhum interesse pela vigararia de São Domingos, ou que fosse convidado, quando da morte do Padre Andrea Barra em setembro de 1870. Somente retornaria ao serviço religioso, como coadjutor ou capelão em Santa Cruz, com a posse do Padre Francisco José Serôdio, aos 15 de março de 1872, para São Domingos. Figueira permaneceu nas funções até sua nomeação como o primeiro vigário de Santa Cruz, aos 15 de março de 1873 (Câmara Episcopal de São Paulo, apud ALESP, CO 073-001.1).
O Padre João Domingos Figueira faleceu em Santa Cruz do Rio Pardo, aos 26 de novembro de 1878, e seu corpo sepultado no piso da matriz, próximo do altar (Oliveira Zanoni, 1976: 57); e sua morte noticiada pelos jornais da época.
O paulistano ‘Jornal da Tarde’, edição de 17/12/1878 – página 2, reportou:
—”Com 69 annos em Santa Cruz do Rio-Pardo, falleceu o revd. vigario padre João Domingues Figueira, primeiro povoador daquella villa.
Deu Liberdade a trinta escravos, e fez diversos legados pios.
Era um verdadeiro apostolo do bem, pelo que os seus parochianos muito sentirão a sua morte.”
O ‘Diário de Tathuy’, SP, arrematou “O padre João Domingues gozou de uma bonita reputação como homem e como sacerdote. O povo santa-cruzense sentiu a sua morte” (Apud Província de São Paulo, 19/12/1878: 2).
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