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Os homens de saia na história de Santa Cruz do Rio Pardo

Um homem usando roupas femininas final dos anos 1970

Antigamente o homem usava túnica, com o tempo encurtada e apertada por praticidade, segundo entendidos, e, atualmente, em alguns países, homens vestem saias. 

Não, não pense na Escócia, o kilt não é uma saia. Em alguns países do oriente, médio oriente e africanos, homens utilizam vestimentas que até lembram saias, mas não são exatamente saias; algumas religiões utilizam vestes em seus cultos e apresentações que, grosso modo, se diz saias, mas, entende-se, não são saias.  O assunto aqui, distante das culturas e subculturas, é saia mesmo, aquele tipo vestido que a pessoa vê e entende um homem usando vestimenta característica feminina, ainda que absurda a mentalidade que se carrega a respeito. Se as mulheres usam calças compridas, tudo bem, mas, o homem usar saia parece que, aos olhos de muitos, não está tudo bem não.

O uso da saia como parte do vestuário masculino continua complicado no julgamento da sociedade, em todos os seus segmentos, como segregação de gêneros. 

No final dos anos 1970 e início de 1980 um jovem ousava ‘desfilar’ pelas ruas de Santa Cruz com vestimentas femininas, saias e vestidos, algo inusitado. Pessoa bonita, moradora num dos hotéis/pensões da cidade, chamava atenções e atraía pesadas críticas contra si, até estúpidas agressões obrigando-a deixar o centro da cidade e abrigar-se, dizem, numa zona meretrício – numa convencionada e famosa boate, depois, talvez já decadente, indo morar na denominada na zona do baixo meretrício, na saída da cidade pela Avenida Clementino Gonçalves.

— Talvez tenha ido embora, impossível saber.

O uso de saia por algum homem era coisa de quem queria usar e ser motivo de comentários preconceituosos, pois, ainda hoje se confunde com sexualidade o homem usando saia.

Luiz de Saia – conhecido entre os anos 1874/1927

Na história de Santa Cruz do Rio Pardo, último quartel do século XIX até as duas primeiras décadas dos anos 1900, depara-se com personagem de fama na história local, o Luiz Antonio Pereira, vulgo ‘Luiz de Saia’, homossexual, feito eunuco desde criança, segundo as memórias, conhecido pelos trejeitos e arroubos de feminilidade, além do hábito de usar saia feminina, sob a qual portava armas de fogo e branca; e era bom de briga – capoeirista.

—O cativo nasceu em Brotas, no ano de 1863, assim informado na lápide de sua sepultura, sendo evidente que ele e sua proprietária ou protegida criaram vínculos de cumplicidades, tanto que, liberto, continuou a lhe prestar serviços. Não existe registro que Luiz de Saia tenha favorecido encontros entre dona Guilhermina – casada com o coronel João Baptista Botelho, e o solteiro Antonio Evangelista da Silva – Tonico Lista.                                                                                   

Luiz usava saia longa, com abertura praticamente oculta para acessar, com extrema agilidade, armas de ataques e defesas. Alguns antigos relatos lembravam dele, às vezes, desnudo da cintura para cima. Desde quando chegou à região de Santa Cruz, com a família de Francisco Narcizo Gonçalves, ‘Luiz de Saia’ foi personagem conhecidíssima na história local pelo estranho hábito de usar vestimentas femininas, mas, que ninguém se enganasse, apesar de não encrenqueiro nem violento, o travesti ‘Luiz de Saia’ foi ‘guarda-costas’ da mais importante, poderosa e emblemática mulher santa-cruzense da época, dona Guilhermina Brandina da Conceição.

Luiz não acompanhou dona Guilhermina em sua mudança para São Paulo em 1918, permanecendo em Santa Cruz do Rio Pardo, ocorrendo-lhe o óbito aos 08 de julho de 1927.

O Fantasma do Homem de Saia em Santa Cruz

Não faz muito tempo, Junko e eu recebemos correspondência eletrônica de alguém nos indagando sobre antiga da aparição noturna de um homem de saia em Santa Cruz do Rio Pardo. Pensando tratar-se de aparições do Luiz de Saia, na época não pesquisamos adequadamente o assunto; pedimos desculpas.

Hoje temos argumentos e documentos que mostram as aparições ‘fantasmas’ de um homem de saia, rapidamente por algumas ruas e praças, citadas a do Jardim [Deputado Leonidas Camarinha]; da Matriz [Dr. Pedro Cesar Sampaio; do Chafariz – ops, existiam duas nas imediações, a Rui Barbosa – hoje Major Antonio Alóe e a Santa Cruz, extinguida, no cruzamento da General Ozório com a Rio Branco. As aparições, ainda estamos pesquisando, aconteceram Praça da Independência, em maior número de vezes, ou, ali, o início dos aparecimentos do fantasma, talvez, ainda um tanto acanhado. 

As aparições do ‘fantasma do homem de saia’, se não era o Luiz de Saia com algumas graças, parecia fruto do imaginário – diziam que Praça Rui Barbosa ouviam-se gemidos de escravizados que ali sofreram atrocidades dos seus senhores, ou, até morreram no tronco.

O ‘fantasma do homem de saia’ foi caso real, mencionadas as aparições em relatório policial de 1918, nos autos de processo crime, então em andamento, movido pela Justiça contra Antonio Evangelista da Silva – Tonico Lista e outros. Do expediente, envolvendo o fantasma, encaminhado pela Delegacia de Polícia à Promotoria e Juizo de Direito, o jornal O Estado de São Paulo publicou:

— “Falava-se, em 1918, no apparecimento misterioso de um “homem de saia” que, altas horas da noite, perambulava pelas ruas desta cidade. Sua apparição era prenuncio de sangue. Alguem sucumbia, dizia-se. O “fantasma de saia”, como alguns lhe chamavam, apparecia em lugares incertos. Apresentava-se, ora nas proximidades da residencia de Antonio Evangelista da Silva (decls, – números ilegíveis), ora nas proximidades da casa de Cyrillo da Rocha, ora na esquina de um club existente, em frente à Camara Municipal, ora no Largo da Matris (decls de fls – números não legíveis).

Quando a policia estava no encalço, o “homem de saia” desaparecia, punha-se em fuga (decls de fls – números ilegíveis).

Para a familia Rocha, o “homem de saia” era Joaquim Alves de Lara, vulgo Joaquim Ludovico que, disfarçadamente espreitava os irmãos Rocha (decls de fls. 82); para os irmãos Lara, era Cyrillo da Rocha que, de preferencia, estacionava, em trajes femininos, nos arredores da residencia do Antonio Evangelista da Silva, afim de parecer a este que o “fantasma de saia” tramava a sua eliminação.” (O Estado de S. Paulo, 21/06/1: 7).

Não era nenhum assunto alheio à sociedade local. O Semanário santa-cruzense ‘O Contemporaneo’, edição de 10 de junho de 1919 (Apud José Magali Ferreira Junqueira, Santa Cruz do Rio Pardo – Memórias – (…) 2ª edição 2006: 187-188) apologético ao coronel Tonico Lista, o seu dono oculto, divulgou: 

— “Não faz mal a ninguém. Não praticou actos sanguinarios nem assaltou um passante. Vulto inofensivo, o “homem de saia” apenas deixou uma lembrança”. 

Conforme o relatório da autoridade policial, a aparição do ‘fantasma de saia’ trazia sim prenúncios de atentados e mesmo mortes na comarca de Santa Cruz do Rio Pardo.

Jamais se descobriu quem seria o “homem de saia”. Seria o Luiz de Saia maquiado como fantasma, o Cyrillo Rocha ou algum dos irmãos Ludovico? 

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Contato: pradocel@gmail.com   

Consulte nossos trabalhos: https://historiasantacruzdoriopardo.blogspot.com 

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