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O futebol em Santa Cruz do Rio Pardo

Introdução

O futebol foi introduzido no Brasil no ano de 1894, pelo paulista Charles Miller, filho de ingleses, que, ao retornar da Inglaterra, onde estudava, trouxe bolas, uniformes e regras do esporte sensação, logo espalhado por diversas cidades brasileiras entre os anos 1895 e 1900.

Para alguns estudiosos, bem fundamentados, as ‘Estradas de Ferro’ foram as principais responsáveis pelo surgimento de muitos povoados ao longo de seu curso, como também formadoras dos primeiros clubes futebolísticos, por onde as passagens dos trilhos e estabelecidas as gares e oficinas, como lazer esportivo aos seus empregados e, em consequência, a toda comunidade.

O futebol em Santa Cruz surgiu logo, talvez em 1905, ou, até antes, por um desconhecido condutor de trole, da ‘Companhia de Linha de Troly’ sediada em Santa Cruz, que fazia o percurso de Santa Cruz do Rio Pardo até Cerqueira Cesar, onde a primeira estação ferroviária, em 1896, acessível para viagens, geralmente até São Paulo, levando e trazendo passageiros. O condutor, enquanto aguardava a composição férrea, teria assistido e mostrado interesses nas partidas de futebol entre os ferroviários do trecho, do armazém e da gare, o suficiente para anotar regras, números de jogadores para cada lado, tamanho e detalhes do campo, quem sabe, até arriscando alguns chutes.

Em Santa Cruz do Rio Pardo, pelo que se pode comprovar, em 1908 existiam partidas de futebol, os ‘rachas’ ou ‘peladões’ entre amigos, bairros e fazendas, tipo ‘catação’ para formar grupos disputantes, sem muitas regras e definições, algumas combinadas na hora, times com e sem camisas se enfrentando, um quase vale tudo, menos mão na bola, exceto o goleiro, praticamente sem tempo para terminar a disputa, geralmente até o escurecer ou uma chuva forte.

A Primeira Liga ‘Club Foot-ball’

Em 1908, certo ‘Romulo Baptista’, entre maio e agosto, fundou a primeira liga desportiva santa-cruzense denominada ‘Club Foot-ball’, como associação de times interessados ou organizados no próprio clube, para práticas daquele desporto:

—”Chamamos a attenção dos amadores para uma circular do Club Foot-ball, inserta na seção competente desta folha. Esta util associação sportiva, como suas congeneres, tem por fim proporcionar aos associados agradável distração e boas horas de prazer. (…).” (Correio de Santa Cruz, 26/07/1908: 3).

O objetivo do ‘Club Foot-ball’ era formar equipes associadas para competições entre si, com regras oficiais e campeonatos regulares:

—”CLUB DE FOOT-BALL

Estando quazi organizado este club, contando já avultado numero de socios jogadores, que contribuiram com suas joias, convida pois aquelles que quizerem fazer, virem alistar se antes de cheio o numero.

Aceita-se qualquer donativo que quizem [quizerem] dar a esta sociedade sportivo [a].

Domingo proximo publicar-se-a a lista dos socios e pessoas que contribuiram com donativos a esta sociedade.

Santa Cruz, 25-07-908.

Romulo Baptista”

(Correio de Santa Cruz, 26/07/1908: 3).

A ‘Liga’ se encarregaria em formar os times, mas estes podiam ingressar já organizados, e o ‘Club’ aceitava doações. As equipes feitas ou formadas disputariam entre si, melhor de três partidas, até os primeiros campeonatos em funcionamento, com mais clubes participantes, no sistema dois turnos – ida e volta, sistema de pontos perdidos. Cada equipe tinha o primeiro e o segundo escrete, ou seja, o time principal – ‘copeiro’, e o secundário, conhecido ‘cascudo’, além dos reservas comuns entre si, não raramente algum ‘cascudo’.

O futebol fez-se sensação em Santa Cruz, com a formação dos primeiros times representantes de bairros, fazendas, empresas [comércio e indústria], alguns de formações particulares, com nomes identificados às origens, enquanto outros vinculados às datas festivas ou históricas.

Romulo Baptista, no curto período em que marcou sua presença conhecida em Santa Cruz do Rio Pardo, teve seu trabalho prosseguido pelo campineiro, engenheiro civil e agrimensor, José Maria de [Paulo] Lacerda, vindo de Caconde para o município, que muito contribuiu para o desenvolvimento do futebol local, à frente de outros nomes da sociedade santa-cruzense, da época, aficionada àquele esporte.

Praticamente impossível que Romulo e José Maria não tivessem se conhecido, pelo tamanho da cidade e o interesse mútuo pelo futebol, e, até a possibilidade que José Maria tenha convidado o Romulo para a organização do futebol local.

—Romulo Baptista não deve ser confundido com o Romeu Baptista, outro célebre incentivador do esporte santa-cruzense, no entanto, em época posterior.

Os primeiros times santa-cruzenses de futebol

Dentre os primeiros conhecidos clubes de futebol santa-cruzense, noticiados e documentados a partir de 1912, os chamados ‘Sport Club’ de várzeas, destacam-se: ‘Santo Antonio, São Benedito, São José e o Santa Cruz’.

O ‘SC Santo Antonio’ tinha seu campo próximo do Chafariz, ‘do lado de lá do Ribeirão São Domingos’, onde a atual Praça 7 de Setembro; o ‘SC São José’, nos altos da cidade, atual Bairro São José; o ‘SC São Benedicto’ no denominado ‘Campo do Rosário’, em terreno próximo da atual Praça Octaviano Botelho de Souza; e o ‘SC Santa Cruz’, formado/organizado pelo engenheiro civil e agrimensor José Maria de Lacerda, cujo campo onde viria ser o Náutico Clube, hoje Ingá, local que posteriormente viria ser, com maior e melhor estrutura, o campo/estádio da Associação Atlética Santacruzense.

Reportagens diversas comprovam os citados times, suas diretorias e as rivalidades. O semanário ‘O Contemporaneo’, por exemplo, cobria os principais eventos futebolísticos na cidade, anunciava convocações e publicava notas dos responsáveis, e algumas chamadas traziam observações tipo: “Os captains pedem por nosso intermedio que todos os jogadores compareçam competentemente uniformisados”.

Havia toda importância e formalidades para os clubes de futebol. Uma reunião a realizar-se a 15 de agosto de 1915 para discutir assuntos do ‘Sport Club Santa Cruz’, por exemplo, foi convocada, via imprensa, pelo secretário Francisco Antonio Raveduti, por ordem do presidente da agremiação, nas dependências do ‘Clube Social Tabajara’ (O Contemporaneo, 28/08/1915: 3).

—Imagina-se Santa Cruz, para a época, cidade pequena onde todos se conheciam e os recados facilmente repassados, até com eficiência maior que as convocações formais pela imprensa. Era, mesmo, para ninguém alegar ignorância.

O ‘Sport Club São Benedito’, em decisão tomada pela sua diretoria, aos 23 de maio de 1920 tornou-se a ‘União Esportiva’: “Communicam-nos que, em reunião de hontem realizada, ficou resolvida a mudança do antigo Sport Club São Benedicto para o de União Sportiva.” (O Contemporâneo, 24/05/1920: 2).

Aos 06 de fevereiro de 1921 publicou-se da ‘União Esportiva’:

—”A associação ‘União Esportiva’ desta cidade em assembléa geral realizada no dia 3 do  corrente, elegeu para seu presidente o cidadão Avelino Taveiros, que acceitando o cargo, tomará posse na próxima reunião. – Communicação que tivemos, o ‘Sport Club Operario’, de Ipaussú, virá a esta cidade, com seus teams, disputar um jogo amistoso, consolidando a solidariedade existente entre essas duas associações.” (Cidade de Santa Cruz, 06/02/1921: 2).

A reunião do ‘União Esportiva’ não foi pacífica, e a folha ‘Cidade de Santa Cruz’ naquela edição noticiou a fundação do ‘Esporte Club Juvenil S. Benedicto’, sob a presidência do escrivão do 2º ofício da comarca, ‘Jandyra Trench’, sendo os demais diretores nomes ilustres da sociedade santa-cruzense (Cidade de Santa Cruz, 06/02/1921: 2).

E a história continuou

O futebol santa-cruzense tornou-se paixão, um divisor de opiniões, multiplicando os times de várzea com campeonatos locais e regionais, com os nomes dos melhores jogadores em cada posição e os ídolos artilheiros. Jogos marcantes com importantes equipes da região e até da capital, tudo documentado.

Mas, as dificuldades eram muitas, alguns times não se sustentavam mais que um campeonato, outros floresceram, a exemplo do Comercial que, nos anos 1930, teve um belo estádio onde partes dos terrenos das atuais Escolas Leônidas do Amaral Vieira e Sinharinha Camarinha, com entrada onde a quina da atual Praça Coronel José Eugenio Ferreira, conhecida por Expedicionários.

Não há espaço para citações de todos os grandes times santa-cruzenses de várzea que marcaram época, mas, se tem por obrigação mencionar três grandes associações desportivas que empolgaram Santa Cruz: Associação Atlética Santacruzense e a grande rival, Associação Operária Santacruzense, ambas formadas no início dos anos 1920, de memoráveis confrontos e rivalidades entre 1931/1945, quando disputavam amistosos pela região; enquanto um ia jogar fora o outro recebia equipe visitante, e os jornais locais/regionais davam amplas coberturas aos jogos, de mais de uma página descrevendo os principais lances, destaques entre os jogadores, opiniões das torcidas e sobre os juízes. Também jogavam entre si partidas beneficentes, voltadas para as instituições locais, além do ‘pega anual’ em partidas melhor de três para saber o campeão do ano, ou seja, o melhor time da cidade.

As rivalidades entre as duas equipes dividiam palpites e opiniões dos santa-cruzenses, em calorosas discussões, inflamadas que aguardavam revides no jogo seguinte. Se as torcidas eram fanáticas, defendendo suas cores, as diretorias mantinham cordiais relações que seriam, no entanto, rompidas em 15 de julho de 1935, e nenhum jogo disputado entre as equipes até 1937.

A confusão iniciara-se no dia anterior, 14 de julho de 1935, quando a ‘Associação Atlética’ foi batida em seu campo, por dois a um, pela equipe visitante ‘Garça Futebol Clube’ – timaço na época; e, na no dia seguinte, a mesma equipe de Garça, pela manhã, ‘convencida’, enfrentou o ‘Operário’ e perdeu por um a zero (A Cidade, 21/07/1935: 4).

A despeito do cansaço e das condições do time adversário, o tripudio dos torcedores do ‘Operário’ sobre os atleticanos envolveu as diretorias, numa crise sem precedentes entre os clubes, rompendo entendimentos campo e extracampo, um não jogava mais contra o outro, e assim permaneceram por dois anos.

Mas, e a Associação Esportiva Santacruzense?

Bem, aí, quem sabe, uma publicação futura.

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